Assistir a um concerto de Moreno Veloso já não era novidade para mim. No entanto, da maneira como aconteceu ontem, em nome próprio, foi a primeira vez. Há alguns anos atrás, aquando da edição do disco de Kassin+2 (Futurismo, 2006), pude presenciar um excelente concerto pelo trio Kassin, Domenico e Moreno, que entretanto foram seguindo caminhos separados. Daí que, objetivamente, vê-lo em palco não era uma novidade absoluta. Mas, numa perspetiva mais subjetiva, conheço o jeito de Moreno Veloso desde os tempos de Cores, Nomes (disco de 1982, do pai Caetano) em que assina a primeira parceria com o seu progenitor, cantando com ele, ainda bem menino, a canção “Um Canto de Afoxé Para o Bloco do Ilê”. Fui seguindo a trajetória de Moreno, que tomou impulso decisivo no primeiro disco do projeto +2, o excelente Máquina de Escrever Música (2000), passando pelos outros dois discos da banda, Orquestra Imperial, parcerias e participações várias, até aos seus dois discos em nome próprio, o ao vivo Solo In Tokyo (disco de exclusiva comercialização no Japão, de 2011) e o recente Coisa Boa (2014), no qual se baseia a eurotour que passou ontem pela sala maior do cinema São Jorge, em Lisboa.
O show mostrou a simpatia que já lhe conhecia, mas suplantou as expectativas em muitos outros aspetos, sobretudo num: a simplicidade, que como se viu e ouviu durante quase hora e meia de concerto, pode ser uma arma muito poderosa. Tudo no show transbordou de simplicidade. Essa é uma característica desarmante, como é igualmente desarmante a gentileza da sua tímida voz, das suas interpretações sensíveis, do seu jeito carinhoso de cantar, de falar, de rir. Até dançar samba parece ser a coisa mais simples do mundo. Deve ser difícil fazer fácil, mas isso não se notou na noite de ontem…
Moreno abriu as hostilidades com a dançante “Um Passo à Frente”, e arrancou decidido a construir um show muito equilibrado, tranquilo, imensamente bem disposto, como se aquele palco fosse a sua casa e nos tivesse convidado e recebido com as mordomias que só os bons amigos sabem proporcionar. Avançou para “Jacaré Coruja”, e desde logo, pelo universo fantasioso da letra, nos foi dizendo estar a viver o sonho feliz da paternidade. Por isso foi cantando essa imensa alegria ao longo do espetáculo. Lembrou os amigos de infância Domenico e Pedro Sá (sendo que em palco estava um outro amigo de longa data, o guitarrista Rodrigo Bartolo) e passeou por “Das Partes”, canção do já referido Máquina de Escrever Música. Depois, e esse foi um dos momentos superlativos da noite, conseguiu cumprir “um sonho”, que era o de cantar em palco com António Zambujo. O fadista mais buarquiniano do mundo estava na sala, e cantou com Moreno a belíssima “Coisa Boa”, a tal canção que “dá sono”, como Veloso afirmou. De seguida cantou “Rosa”, que o músico e compositor Luís Nenung fez para a filha de Moreno. Continuou em família, lembrando a avó Canô, que ensinara aos netos a canção “Num Galho de Acácias” (no original “Un Peu d’Amour”), versão brasileira que nos idos anos 30 fez grande sucesso na voz de Roberto Paiva. Moreno ia avançando e percorrendo o mundo nas línguas que cantava: português, castelhano, algumas passagens em italiano, e até japonês, na deliciosa “???”, canção que fecha o disco Coisa Boa. Depois, como que regressado do outro lado do mundo, voltou à Bahia, a Santo Amaro da Purificação, e mostrou como se toca um samba de roda, com prato e faca, cantando e dançando com alegria transbordante, embora sem ponta de espalhafato. Tudo em Moreno é contido, mas esfuziante ao mesmo tempo. Coisa rara, coisa boa! Teve ainda tempo de passar, na grande viagem que fez em palco, por Lisboa, em “Noite de Santo António”, canção dos idos anos 50, e foi finalizando o espetáculo com a contagiante “Arrivederci” e com o tema “Ilê de Luz”. Via-se na sua cara que estava muito feliz.
Voltou para um primeiro encore com “Deusa do Amor”, canção que será (se é que já não é) um clássico da nova MPB e fechou com uma canção do pai, a conhecidíssima “O Leãozinho”. Mas o público insistiu nas palmas, chamando pelos músicos, e eles vieram tão sorridentes como nós todos estávamos também. A canção escolhida para encerrar definitivamente o show foi “Corpo Excitado”. A noite findou com mais um tema de Ilê Aiyê, o mais antigo bloco afro do carnaval da cidade de Salvador. Acabou em festa, acabou em casa. É isso que Ilê quer dizer. O São Jorge foi a casa de Moreno Veloso, mas também a nossa. Uma casa em festa, uma casa / coisa boa de se ouvir, de se ver e de se estar.
Alinhamento do show:
- “Um Passo à Frente”
- “Jacaré Coruja”
- “Das Partes”
- “Verso Simples”
- “De Tentar Voltar”
- “Coisa Boa” – com António Zambujo
- “Mambeando (Cantale)” – com citação de “Swing da Cor”
- “Rosa”
- “Num Galho de Acácias”
- “Lá e Cá”
- “???” (Onaji Sora)
- “Não Acorde o Neném”
- “Noite de Santo António”
- “Leve” – solo vocal do baterista Rafael Rocha
- “Em Todo Lugar”
- “Arrivederci”
- “Ilê da Luz”
Primeiro encore:
- “Deusa do Amor”
- “O Leãozinho”
Segundo encore:
- “Corpo Excitado”
Músicos: Moreno Veloso (voz e violão), Rodrigo Bartolo (guitarra elétrica), Bruno Di Lullo (baixo e eletrónicas) e Rafael Rocha (bateria, voz)
Fotos de iPhone, aguardam-se oficiais da organização.