
A noite começou por volta das 22h30, com o concerto d’Os Modernos. A banda de Tomás Wallenstein, Manuel Palha e Salvador Seabra (todos membros dos Capitão Fausto) trouxe-nos rock do bom, com os seus riffs de guitarra mais abrasivos, o groove do baixo e a bateria a ajudar a marcar o ritmo intenso. A banda tocou canções ainda não lançadas – uma delas instrumental, com grande descarga energética –, covers («Bisturi», dos extintos Feromona) e os quatro temas que compõem o seu EP de estreia, lançado este Verão («24», «Sexta-feira», «Só Se Te Parecer Bem» e «Panado Cister»). Os Modernos ao vivo são energia rock n’ roll que prova que, por vezes, menos é mais. Há um maior espaço dado à guitarra e ao baixo, e se para alguns pode resultar numa sonoridade menos orgânica (ou complexa), para outros pode resultar numa sonoridade mais limpa (ou clara). O essencial é, porém, salientar que o que se viu esta noite foi a presença de três bons músicos, num projecto despretensioso, simples e enérgico que sabe bem ouvir.
Os momentos mais fortes foram, provavelmente, as três canções mais fortes do EP: «Panado Cister», um instrumental ora espacial,com T.W. a deixar por alguns segundos a guitarra e se dedicar às teclas, acompanhado por M.P. no baixo, ora abrasivo – e que bom é ouvir claramente o som enérgico dos riffs de guitarra); «Sexta-Feira», que começa arrastada, mas vai aumentando o ritmo até à explosão sónica, e «Só Se Te Parecer Bem», o single. Face aos Capitão Fausto, mantém-se a mordacidade e a ironia, mas há também momentos mais confessionais (oiça-se o refrão de «Sexta-Feira»). Tudo através de um grupo de três rapazes que consegue fazer rock explosivo e de alta intensidade sem perder nunca o sentido pop. Power trio a piscar o olho aos sonhos rock, portanto, é o que deles se viu em palco. Já não é surpresa nem revelação; foi, sim, confirmação.
Seguiram-se os Amen Dunes, liderados por Damon McMahon. E deram um grande concerto. A forma como apenas três músicos, em palco, nos conseguiram transportar para uma atmosfera musical estranha, densa e tão singular impressiona. Tocando várias canções do seu consagrado último disco, Love, mas alternando-as ainda assim com canções mais antigas, trouxeram-nos uma música de difícil categorização: folk que não é bem folk, mas que o seria se a sujidade, a névoa e os sons de vários instrumentos – entre os quais o vocal, e destaque importante também para a percussão e a forma como a bateria é utilizada –, embrenhando-se de forma pouco comum uns nos outros, fossem habituais no intimismo do género.
A música de Amen Dunes, e isso é perfeitamente transposto para palco, tem uma densidade e um peso que parece pairar sobre tudo e sobre todos, criando uma atmosfera pesada, vinda doutro tempo e doutro espaço, às vezes escura como breu. Há ali algo de psicadélico pela envolvência que a música cria, possivelmente bem mais psicadélica (no sentido de transportadora) que quase todas as guitarras e pedais de efeitos imaginários. A distorção aqui é engenhosa, semi-intimista: e, se Dylan tem sido apontado (até por D.M.) como referência na forma de tocar e criar canções, a música dos Amen Dunes soa mais um produto de fusão entre a música enevoada e relaxante de God Is Saying This to You (de Kurt Vile) e a solenidade e o desejo de transcendência sonora de Helplessness Blues (de Fleet Foxes).
O concerto, que teve direito a um encore que não pareceu realmente previsto, começou com a belíssima «I Know Myself», canção que em disco conta com a participação especial de Robin Peckold, dos Fleet Foxes, e contou com inúmeras outras canções de Love, como «Lonely Richard», «Splits Pre Parted», «Lilac In Hand», «Green Eyes» e «Love». Um dos momentos mais intensos do concerto ocorreu, porém, numa canção do penúltimo disco do grupo (Through Donkey Jaw, de 2011), chamada «Lower Mind», uma canção hipnótica onde a guitarra acústica, o piano e a bateria se emaranham num transe de alta intensidade sonora, onde o intimismo foi desta feita chutado para canto.
Vindo a Portugal pela primeira vez este ano, Damon MacMahon dirigiu parte das suas palavras ao público dizendo que estavam a adorar cá estar e recriminando-se por não terem vindo antes. Bem que o pode fazer, aliás: concertos como este por cá só pecam por tardios; mas, felizmente, dificilmente não terão repetição. Mérito para a ZDB, que, num só fim-de-semana, com Amen Dunes e Marissa Nadler, trouxe dois concertos de gente que conhece os clássicos e os sabe reformar – e sobretudo de gente para quem criar música intimista não é, felizmente, sinómino de trazer música banal, facilitista ou lamechas.
Fotos gentilmente cedidas por Luís Martins