Quê? Começar por dizer que foi dos melhores festivais a que assisti nos últimos anos, quiçá se de todos os anos? Seria apenas uma opinião, é certo. Dizer que não houve uma performance medíocre? Seria apenas uma opinião. E se calhar as voltas do mundo apenas me apanharam num momento em que estava disposto a sentir-me assombrado por tudo, assombrado num benigno sentido. E como não quero fazer uma conclusão no fim do artigo pois gostei de acabá-lo com a confusão do céu e dos dias fica já neste primeiro parágrafo a ideia lançada para a frente de que há que voltar no próximo e em todos os outros anos, pois há uma linha de programação. O que hoje em dia é raro. Há uma linha de programação que não se rege pelos princípios do capital ou do tudo vale nem se fecha num estilo ou origem mas que cuidadosamente junta estilos diferentes absolutamente bem compensados entre si, sempre com o prescrição fundamental de mostrar novos mundos ao mundo, o que é sempre como quem diz.
Dizer que houve um enlace perfeito em começar com um quase-acústico Norberto Lobo livre cada-vez-mais-livre para ouvir de olhos fechados e acabar com a mais pop de todas as actuações a dos pós-punkianos The Ex para ouvir de pés e pernas e braços no ar? De um aflitivo purgante rompe-tímpanos Peter Brotzmann/Steve Noble a uns irrequietos punkers apocalípticos rompe-tímpanos Putas Bêbadas estende-se um longo caminho e Peter Evans Quintet é um jazz do futuro com poucos pares por aí com composições que fazem o espectador esperar pelo momento em que todos aqueles instrumentos que parecem desunidos se fundam por fim e o Manuel Mota acrescenta às explosões de raiva dos carnívoros Wire Quartet do Rodrigo Amado um cunho característico que promete singularizá-los no meio de outros conjuntos de free jazz que por aí andam, como o Open Mind Essemble que não é tão mente-aberta assim pois apesar de apresentar alguns bons músicos bastante bem intencionados se prende um pouco no conceito que era suposto libertá-lo, o tal free, Dean Blunt é qualquer coisa de inenarrável, uma performance escura, contida, um desafio ao olho expectante do espectador, Fennesz levou-me para um fim de um filme de acção em que do caos do fogo do sacrifício algo parece renascer, por cima de linhas-base mais pop os Magik Markers decidem porém ir mais além e então fazem daqueles espectáculos que flutuam vão ao fundo das salas e voltam, sabe-se lá o que isso quer dizer, e os famosos Faust, os que levaram o festival às páginas dos jornais, os “grandes malucos” Faust que constroem e destroem coisas em palco que convidam ao palco tricoteuses e pintores e músicos locais, sobre os simpáticos e os colectores de bom ambiente mas não tão consistentes assim Faust serão certamente falados em demasia noutras lides. E o concerto de apresentação do resultado do workshop da Carla Bozulich no fundo do centro comercial Pirâmides: um espectáculo bem ordenado para tão poucos dias de treino que teve, instrumentos bem distribuídos apesar de alguns que nem se deram por eles, um beberico a origens da folk americana profanadas por mantos de drones distorcidos de levar o espectador para lugares em que não sei bem porquê eram sempre de noite e havia sempre uma fogueira e eu estava a olhar para as estrelas.
E porque há um par de meses era para ter feito uma abordagem ao seu concerto na zê-dê-bê e não o fiz por causa das voltas do mundo (as tais), vejo-me na obrigação de voltar ao artista primeiro desta edição do OUT, que apesar de ser quem eu já mais vezes vi em concerto é alguém que continua a surpreender-me e a merecer então o meu destaque que ainda bem que é só um pois isto foram muitas bandas e isto de ler dá muito trabalho.
Norberto Lobo caminha para uma carreira cheia, os primeiros álbuns das músicas afinadas e melódicas de 3 minutos de que toda a gente gostava estão já muito longe, hoje há um artista que anseia por experimentar, que começa um concerto sem saber como o acabar, que aceita o desafio a ele próprio, que navega entre o acústico e o eléctrico e o harmonioso e o dissonante e o fahey e o paredes e vai a áfrica e vai ao brasil e tudo tão juntinho mas não tão juntinho assim e é como se ele tivesse descoberto a beleza na forma como os pedaços de coisas formam… coisas. Lembrei-me da cena de amor do Zabriskie Point mas imaginando-a como se mais que amor ela comportasse também tudo o resto, os burburinhos do amor as dúvidas do amor os silêncios do amor os amuos e as fúrias e as pazes, enfim: a confusão do céu e dos dias.
Fotos: olhos(«Ä»)zumbir