Uma estranha nuvem negra adensava-se sobre Santa Apolónia, como que a prever o que se iria ali passar. Os carneiros negros entravam lentamente na sala escura, procurando uma luz que lhes parecesse promissora. Bebericando, aqui ou ali na bebida que mais desejavam. Uma última refeição antes da matança.
Do palco surgiam os primeiros sons, altura em que os carneiros se voltavam para enfrentarem os seus carrascos – Sapo, António Rafael, Miguel Pedro, Joana Longobardi e Vasco Vaz. Vestidos de preto, estes anjos malditos não mostravam qualquer remorso ou piedade, manuseando as suas armas com um esgar de satisfação horripilante. E eis que chega o matador-mor. Debaixo do blazer escuro, uma camisa vermelha, para disfarçar a cor do sangue vivo que em breve iria manchar a sua fronte. Ei-lo. O Rei Adolfo, pronto para nos julgar e executar, com palavras de Terror e Anarquia.
Pelo meu Relógio São Horas de Matar ocupou quase metade do alinhamento, com a banda a guiar o rebanho por entre o matadouro, com os seus instrumentais arrastados, repletos de efeitos e de escalas orientais. Em cima de palco, o Rei Adolfo contorcia-se em espasmos e movimentos sexuais, para em seguida nos presentear com a sua poesia maldita e, por momentos, não sabemos se à nossa frente temos um Jim Morrison envelhecido, ou um Baudelaire reencarnado.
Num último momento de compaixão pelos carneiros que se haviam dirigido voluntariamente àquele lugar, Adolfo Luxúria Canibal estendeu a sua graça real, como que a abençoar os súbditos que tentavam agarrar a mão do seu carrasco, para tentar alcançar a salvação, ou ter um último momento de glória antes da execução.
O alinhamento contou ainda com algumas músicas mais antigas da banda. Dois encores foram feitos e, para surpresa de muitos, voltou um saudoso membro da banda minhota: José Pedro Moura. O músico ocupou o baixo quando a banda recuperou “Anarquista Duval”. E, para acabar a noite escura, voltámos a “Lisboa”, já no final do massacre, onde os Mão Morta mostraram que a sua hora de matar ainda não havia terminado.
O rebanho desnorteado, grato por poder viver para voltar a tentar a sua sorte com os Mão Morta procurou a saída. “Táxi! Casal Ventoso, por favor.”
Fotos: Francisco Fidalgo
Alinhamento:
Facas em Sangue
Tu Disseste
Pássaros a Esvoaçar
Destilo Ódio
Arrastando o Seu Cadáver
Irmão da Solidão
Velocidade Escaldante
Preces Perdidas
Véus Caídos
Histórias da Cidade
Hipótese do Suicídio
E Se Depois
Bófia
1º de Novembro
Horas de Matar
Encore 1
Os Ossos de Marcelo Caetano
Tiago Capitão
Anarquista Duval
Chabala
Encore 2
Horas de Matar