
Coliseu dos Recreios, dia 2 de Abril de 2016. Chuva doce lá fora e pelas 21h50 a emblemática sala lisboeta transformava-se num jogo de crianças. Crianças, jovens e adultos – gente dos 10 aos 60 enchia os rectângulos da sirumba para ouvir em palco o novo disco dos Linda Martini.
Foi justamente com a faixa-título do disco – “Sirumba” – que o quarteto lisboeta deu sinal para se começar o jogo. Gritos loucos, os fãs sempre fiéis e nunca menos vociferantes que no concerto anterior, já se ouvia o “Unicórnio de Sta. Engrácia” nas bocas do público. Logo a seguir, aproveitando a vontade de gritar das primeiras filas, André Henriques palhetou aquelas seis notas que já o cancioneiro do rock português tem bem fixadas: ré, si, fá sustenido duas vezes e num ápice a “Juventude Sónica” levava o Coliseu às memórias boas de Casa Ocupada. Ninguém tinha aulas no dia a seguir, por isso ninguém temeu em se atirar para moches e crowdsurfs comunais, escrevendo as primeiras páginas de um concerto marcante para artistas e fãs.
À terceira música, o público mais que conquistado. O quarteto acalmava as hostes com “Preguiça”, uma das novas canções. Mas não tinha preguiça em mais uma vez fazer tremer o salão com “Amor Combate”, um dos seus maiores hinos, retirado do EP homónimo de 2005. A acústica do espaço, que no início não ajudou muito, tornava-se agora mais encorpada – também assim se enforteciam os movimentos de placas tectónicas e cabeças na arena. O fado de “Putos Bons” viria a seguir, com acordes sorrateiros e uma explosão catártica que não falhou em nenhum ouvido da plateia, ainda que fosse uma canção nova. O lânguido final da canção não se manteria assim por muito tempo, com o riff de “Mulher-a-Dias” a entrar de rompante pelos tímpanos adentro. Mais palmas que nunca, a fazer de metrónomo imperfeito, estendiam os lençóis para “Estuque”, recordação de Olhos de Mongol que foi lembrada com duas saudades e um arrepio. Não havia decibéis suficientes para aquele rombo tão querido e nostálgico, o som da cal, areia e gesso de uma vida a cair com uma leveza violenta no peito. Um dos melhores momentos da noite.
“Volta”, a balada distorcida que nos fez regressar a Turbo Lento, lia-nos a mente e fazia-nos salivar pelos icónicos temas do tempo de “Estuque”. E os Linda Martini acediam à nossa vontade: “Dá-me a Tua Melhor Faca” dilacerou pescoços e uniu coros como já toda a gente estava à espera que acontecesse. O resto é história. Ouviram-se as novas e impressionantes “Dentes de Mentiroso”, “Bom Partido”, a gritante “Ratos” – onde pela enésima vez se abria uma roda na frente da arena… No final, provando que ainda são capazes de mover coros e acordes monolíticos, os Linda Martini acabaram o jogo de sirumba com a tragédia épica de “O Dia em que a Música Morreu”. Mas como o público estava ali para comédias, não descansou enquanto os versos de “Cem Metros Sereia” não puxassem de volta ao palco os quatro meninos de Massamá.
Voltariam para um memorável encore, de fazer inquietar todos os braços e pernas presentes no Coliseu. “Dez Tostões”, “Panteão”, “Este Mar”, “Belarmino” tiveram o seu lugar mas foi a loucura geral de “Cem Metros Sereia” que o marcou: o público ultrapassava a banda e era esta que acompanhava o primeiro, o chão e o tecto tremiam de gritos e aplausos, o guitarrista Pedro Geraldes voava pelo público, o nome da banda era gritado e repetido. Um público louco e sedento de mais implorava por “só mais uma” e o concerto terminaria com “O Amor é Não Haver Polícia”. Está escrita a história e as brincadeiras de criança são agora assunto de Panteão.
Fotos: Filipa Leite