Um pequeno estrado a meio do palco com quatro cadeiras e suportes para pautas. As luzes baixam de intensidade e um grupo de quatro músicos entra em palco, cada um carregando o seu instrumento. Os membros do Kronos Quartet sentam-se e abrem as pautas. O concerto vai começar.
O primeiro ataque às cordas é violento e apressado, uma trovoada de sons que irrompe por entre as caixas-de-ressonância dos instrumentos de madeira. Depois da tempestade vem sempre a bonança, desta vez representada pelos pizzicatos que fazem lembrar gotas de chuva. Passando por entre as gotículas, um violoncelo aventura-se sozinho, encontrando pelo caminho dois violinos e uma viola de arco. A viagem continua com os quatro instrumentos a apoiarem-se e a dançarem entre si. Para o fim da peça, voltamos aos ataques rápidos, como que fechando um ciclo no lugar exacto onde começámos. Afinal de contas, a peça chama-se «Aheym» que é ídiche para «Regresso». David Harrington, líder do Kronos Quartet, pega no microfone e informa-nos quem é compositor da peça anterior: Bryce Dressner, guitarrista e compositor, mais conhecido por pertencer à banda americana The National. Os Kronos Quartet seguem em seguida para a Islândia, ao interpretarem o tema «Flugufrelsarinn» do primeiro disco dos Sigur Rós. As paisagens geladas da Islândia entram no nosso imaginário, à medida que ouvimos sons que nunca seriam possíveis ser reproduzidos por um quarteto de cordas clássico.
Durante a primeira parte do concerto o quarteto interpretou ainda duas peças de compositores contemporâneos e uma canção tradicional irlandesa chamada «Tusen Tankar» que se pode traduzir como «Mil Pensamentos». Muito rapidamente transitamos para um Shire que nunca conheceu a banda sonora de Howard Shore e que ganha assim uma nova banda sonora da qual J. R. R. Tolkien se orgulharia. Mas a pérola das pérolas da primeira parte do concerto foi sem dúvida quando o quarteto mergulhou no Prelúdio da ópera Tristão e Isolda de Richard Wagner. A beleza latente desta peça do século XIX fez com que Friedrich Nietzsche a considerasse como a mais bela obra de arte de sempre, mesmo depois do filósofo ter rompido relações com Wagner. Os Kronos estiveram à altura e interpretaram na perfeição esta obra-prima.
O líder da banda anunciou um intervalo e as portas do Grande Auditório abriram-se para quem quisesse aproveitar a pausa fora da sala.
A segunda parte começa com uma elegia a Carlos Paredes por parte de Harrington: “I can’t believe it’s been ten years since Carlos has died. We were fortunate enough to have recorded this song and showing it to him. This is «Canção Verdes Anos». O quarteto invocou a alma do mestre da guitarra portuguesa ao tocar a sua obra mais conhecida, demonstrando o génio da composição que foi Carlos Paredes. Depois desta invocação foi a vez de outro grande nome da música portuguesa: Amália Rodrigues. Amélia Muge subiu ao palco da Gulbenkian para cantar versos da fadista, fazendo-se acompanhar pelo Kronos Quartet, numa estreia mundial de dois poemas de Amália.
Depois da passagem por terras lusas, pudemos ouvir mais dois temas: um de Laurie Anderson que nos deixou a salivar por mais e outro de Steve Reich, pioneiro da música minimal e grande influência dos Kronos Quartet. A peça tocada apresentava samples pós-apocalípticas que em certas alturas fazem lembrar a faixa «Dead Flag Blues» dos Godspeed You! Black Emperor, mas que pecou pela duração.
O concerto teve ainda tempo para um encore, antes da banda se despedir de vez do Grande Auditório da Gulbenkian e de todos aqueles que para lá se dirigiram nesta noite chuvosa de Novembro.
Alinhamento:
Bryce Dressner – «Aheym»
Sigur Rós – «Flugufrelsarinn»
Ryan Brown – «Pinched»
Geeshie Wiley – «Last Kind Words»
Richard Wagner – Prelúdio de Tristão e Isolda
Tradicional – «Tusen Tankar»
Café Tacvba – 12/12
Intervalo
Carlos Paredes – «Canção Verdes Anos»
Amélia Muge (arranjo de F. Raposo e versos de Amália Rodrigues) – Meu Coração Sem Direitos
Amélia Muge (arranjo de F. Raposo e versos de Amália Rodrigues) – Eu Vivo a Vida Perdida
Laurie Anderson – Flow
Steve Reich – Different Trains
Encore:
Komitas – «Krung»
Nota: o responsável pela Sala não permitiu que fossem registadas quaisquer imagens do concerto, de acordo com as normas da Gulbenkian.