
No dia 19 de Fevereiro de 2016, os deuses desceram à terra – ou subiram ao palco – pra nos incentivar a dar um pezinho de dança. Se demos. Qual devagar devagarinho, no Musicbox tudo se fez bem rápido, rapidinho.
Vindos directamente do Olimpo, da bruma azul apareceram Zeus e Hefesto. Estavam cansados de enviar representações à Terra e nunca se mostrarem tal como são. Pela primeira vez assistíamos aos contornos de cada um destes deuses: o primeiro – na qualidade de pai dos homens e de Filho da Mãe – abraçava uma guitarra, com a qual lançava raios feitos de acordes; o segundo – Hefesto, deus da tecnologia, do fogo e da metalurgia (Ricardo Martins) -, empunhava duas baquetas das quais fazia martelo, dando pancadas nas bigornas dispostas à sua frente, forjando ritmos com uma mestria inigualável – não fosse ele o deus da forja. O primeiro, careca; o segundo, com um cabelo exuberante. Gibson SG em riste, dórrémifássolássidó. Pim, pam, pum, bombo-tarola-timbalão em vibração.
Choques eléctricos aqui, delays acoli, Zeus trazia-nos sensações indiscritíveis que nos faziam tremer e vacilar – afinal os gregos estavam certos. À nossa frente, o Olimpo em Olissipo. Pratos a partir, raios e coriscos a fazer explodir. Tempestuosa Tormenta era, os deuses mostrando-se realmente impiedosos – mas entendíamo-los. Às baquetas, de tão rápido que voavam pelo ar, víamos-lhes os rastos. Zás, trás, pás, a-ta-ro-la-e-o-bom-bo a rebentar. O mi-si-ré-dó-lá-sol a tremelicar e as notas a fundirem-se em acordes nunca ouvidos. Víamos o céu e o inferno no azul e no vermelho das luzes, ouvíamos uma bateria que tinha tanto de divino como de maquinal e humano. Passávamos por um perigoso mar sonoro sobre o qual se afinava a guitarra, púnhamo-nos de joelhos numa súplica por misericórdia e aparecia-nos Apolo. Esta outra manifestação cósmica, também conhecida por Norberto Lobo, trazia uma lira Telecaster que sentíamos no coração como um arco e flechas. Dançar, dançar, dançar e expulsar os demónios. Bem tentámos, mas, mais tarde, apareceria Hades. Já lá vamos.
Antes do deus do submundo, tínhamos a visão de Hera. Num limbo de azul e negror, Cláudia Guerreiro entrelaçava as cordas do seu baixo com as da guitarra de Rui Carvalho (Filho da Mãe). Ouvíamos os ecos do seu amor cósmico, em cada trasto um mito, em cada corda mil mundos. Nas notas graves e reconfortantes, Hera trazía-nos tantas memórias quantas não nos conseguíamos lembrar, quanta vida numa só canção. Perto do final da cerimónia, chegou Hades – em forma de Jibóia – que não teve pena nenhuma de ninguém e voltou a fazer o mesmo (no bom sentido, claro). Encheu-nos de luxúria e tentação, de uma força hercúlea, de delays que nos derretiam, sempre os delays, sempre os delays e reverberações a corroerem o nosso interior.
O público queria mais, implorava por um encore, mas os deuses não acediam ao seu pedido. Não era preciso. Durante uma hora, o divino mostrou a sua forma verdadeira – a forma humana. E, ainda que os tenhamos tido só por sessenta minutos, deixá-los não foi uma tormenta: saímos do Musicbox de alma cheia.
Fotos: Francisco Fidalgo