
Torto abriam mansos as hostes mas assim não se manteriam. Um balancé de notas que nos fazia adormecer num sono acordado. A polirritmia sensata era uma luz que víamos quando fechávamos os olhos. O pulsar do baixo entrelaçava-se como a bateria e a guitarra dava-lhes festas, nem sempre dóceis. Os Torto trouxeram-nos Escabroso em cima de um barco que rasgava tempestades compassadas, cada música como um acto de uma peça de teatro que introduziu a apresentação do álbum de estreia de Jibóia.
Foi na Galeria Zé dos Bois, no passado dia 12 que Óscar Silva – acompanhado de Ricardo Martins, à bateria – nos trouxe pela primeira vez a sua Masala. Negra, a sala enchia-se de vultos cujos contornos eram difíceis de distinguir da escuridão. Sem Sequin a cantar, ao contrário do EP Badlav, Óscar Silva mostrou estar à altura da prova. Embrenhavamo-nos num transe psicadélico conduzido pela guitarra-chicote, a voz hipnotizante e os tambores-mestres de “Ankara”. À nossa frente víamos aqueles dois xamãs e, por cima deles, flashes de luz branca que reagia ao som da percussão.
Completamente inundados naquele oceano de sensações que os dois músicos nos induziam sem dó nem piedade, passávamos por “São Paulo”, depois “Lisboa” e finalmente “Marrakech”. Não conseguíamos escolher um prato da ementa de Jibóia, todas as iguarias eram melhores que a anterior e a seguinte. Não houve naquela noite princípio nem fim, apenas uma eternidade espaço-temporal que nos levava pra outra dimensão sem quase darmos por isso. Selváticos ritmos eram o tapete para o feiticeiro que nos encantava pelo teclado que se fazia flauta e jibóias tornavamo-nos todos nós.
Já não tínhamos escape, Óscar Silva e Ricardo Martins já nos tinham a todos na mão. Levavam-nos para o “Dubai”, passeavam-nos em “Londres”, ouvíamos orações, víamos fogo de artifício cósmico, o megafone convidava-nos a virar-nos para Meca. Mas viravamo-nos pra “Luanda”, terra não menos mística que todas as outras, mesmo antes de irmos para “Oslo”. De repente, tudo acabava. Sentíamos o tempo outra vez. Ou antes, percebíamos que este tinha passado e que por instantes infinitos deixámos o chão do aquário e ascendemos a um estado e lugar maior, num transe tântrico sem igual. Ninguém queria aceitar a realidade e por isso todos gritavam por mais daquela bebida mágica, daquela infusão de sabores, lugares e odores que não sabemos como bebemos. Jibóia não voltaria para o encore que todos pediam, mas ficavam connosco para sempre as marés de feedback em que estivemos enrolados por momentos, alheios a tudo, cada um feito um Universo. Far out.
Fotos gentilmente cedidas por Vera Marmelo