É certo que o tema é menos excitante que a exploração do espaço, e isso poderia ser uma limitação, até por tornar o exercício menos universal. Mas, conceptualmente, Every Valley é absolutamente coeso.
Acompanhamos os ingleses Public Service Broadcasting (PSB) desde a estreia, em 2013, com Inform-Educate-Entertain. A base era curiosa: pegar em sons antigos de campanhas publicitárias e filmes de educação cívica e incorpora-los em música que, conceptualmente, lhes dessem sentido. A parada subiu no disco seguinte, The Race for Space, de 2015, que tinha na base a corrida espacial, com sons retirados da propaganda russa e norte-americana, bem como de transmissões da BBC sobre o tema.
O problema seria sempre encontrar um conceito, um novo conceito, que encaixasse na fórmula. Agora, os PSB dão-nos a resposta, surpreendente: a paisagem agora são as aldeias mineiras do País de Gales, que a partir do final dos anos 70 definharam com o fim da exploração do carvão.
Ao longo de 11 faixas, o grupo leva-nos numa viagem a essas aldeias, com o início esperançoso de “Every Valley”, com a indústria em plena produção, até ao progresso e ao esgotamento das minas, finalizando no abandono e na morte de um modo de vida. Temos jingles radiofónicos que procuravam seduzir trabalhadores, que eram sempre de menos para a grande necessidade de produção; temos discursos políticos de responsáveis, que garantiam que sempre haveria carvão, “para pelo menos mais 400 anos”; temos documentários contidos da BBC sobre os vales das cidades mineiras e da dureza dessa vida; temos clips de reportagens de vozes galesas iradas com a morte do seu meio de de sustento.
Musicalmente, a matriz continua a ser a versão da motorika controlada que os PSB sempre fizeram (ouça-se “People Will Always Need Coal” ou “Progress”, por exemplo). No entanto, há desta feita mais margem para fugir do molde. Um exemplo feliz é “Turn no More”, com a voz de James Dean Bradfield, dos Manic Street Preachers, ele próprio vindo de uma dessas aldeias mineiras de Gales.
O final do disco, então, é pura e simplesmente arrepiante. “Take me Home”, cantado pelo coro Beaufort Male Choir, composto por muitos antigos mineiros, é um hino esperançoso que, na verdade, soa triste mas ainda assim orgulhoso. É um momento de excelsa dignidade que nos consegue mover às lágrimas.
Every Valley não é necessariamente o melhor disco dos Public Service Broadcasting, e o tema até nos pode dizer muito pouco. Mas há aqui uma seriedade, uma solidez, um compromisso com um conceito e uma causa que nos merecem não apenas aplauso, mas respeito.
Num momento em que boa parte da música parece seriamente empenhada em não ter nada para dizer, estes ingleses são um bálsamo, um exemplo de que a arte é aquilo que os artistas dela quiserem fazer. Obrigado por isso.