Come On Pilgrim contém, na sua génese, todos os elementos que tornariam os Pixies num dos maiores fenómenos de culto do rock alternativo – melodias suaves, crueza em estado puro e uma energia eletrizante.
Uma das razões pelas quais os Nirvana não surpreenderam toda a gente quando apareceram foi por haver uma banda chamada Pixies (outra chamada Sonic Youth também). A muralha sonora dos primeiros já tinha os alicerces montados pelos segundos.
No princípio dos anos noventa a música vivia-se de uma forma diferente, ouvia-se os discos (até à exaustão), manuseavam-se as capas e contracapas, liam-se e reliam-se as letras e falava-se muito sobre as bandas e as suas músicas. O acesso à música era muito menor por isso havia tempo para uma dedicação quase exclusiva aos discos que nos vinham parar às mãos. Foi assim com os primeiros cinco discos dos Pixies: ouvir as canções, tentar decifrar as letras herméticas que pareciam ser escritas com palavras aleatórias.
Lembro-me de uma carta (escrita no verso de uma fotocópia das letras de um dos álbuns dos Pixies) que um amigo meu me escreveu um dia: “Tens que ouvir uma banda chamada Nirvana, é tipo Pixies mas no fundo não tem nada a ver, faz lembrar mas não são tão bons”. Eu nunca concordei totalmente com isto e continuo a achar que o som dos Pixies é mais parecido com alguns temas dos Violent Femmes do que com os Nirvana. Lembro de serem descritos como “um rock de guitarras” e, no fundo é mesmo isso, mas não só: a original dinâmica quiet/loud, a estranheza das letras e a simbiose entre todos os elementos fez com que os Pixies permanecessem numa ilha sonora. Fizeram 5 álbuns perfeitos de sonoridade ríspida mas melódica. Um som só deles.
Em 1987, o quarteto de Boston composto por Black Francis, David Lovering, Joey Santiago e Kim Deal gravou 17 canções numa cassete de capa roxa que ficou conhecida como The Purple Tape. Dessa maqueta saíram as 8 canções que formariam o seu primeiro disco.
Este álbum contém, na sua génese, todos os elementos que tornariam esta banda num dos maiores fenómenos de culto do rock alternativo – melodias suaves, crueza em estado puro e uma energia eletrizante. Embora estes primeiros Pixies se apresentem ríspidos, Come on Pilgrim denota influências melódicas da pop apesar de envoltas num ruído quase visceral. É belo e violento.
“Caribou”, o primeiro tema, anuncia desde logo, com os primeiros acordes da guitarra de Joey Santiago, que algo maravilhoso vai acontecer e “Vamos” ou seguimos, num ritmo frenético até a uma ilha encantada (“Isla de Encanta”) com sotaque espanhol e onde não há sofrimento, a não ser o de “Ed (is dead)” que também já não sofre muito porque está morto. Sofrida é também a guitarra de Santiago que parece chorar e que nos faz chorar com ela. Em “Holiday Song” e “Nimrod’s Son”, a sonoridade punk/pop continua com pujança entre delírios incestuosos e referências bíblicas. Em “I’ve Been Tired”, Black Francis canta-nos provocadoramente sobre os seus medos e desejos, uns sexuais, outros apenas abstratos. Finalmente levitamos (“Levitate Me”) com sons melódicos e guitarras bem altas. Esta canção, como tantas e tão boas que se irão seguir, tem aquilo que os Pixies sabem fazer melhor: desinquietar-nos e levitar-nos. E nós levitamos com eles.