O Rei Macaco prossegue o seu caminho muito próprio, agora que os Stone Roses parecem definitivamente enterrados
Em 2011, os Stone Roses juntaram-se novamente, depois de anos de ódio e de afastamento. Os palcos voltaram a receber os quatro magníficos de Manchester, que na verdade apenas fizeram dois discos há muitos anos, que foram tão marcantes (sobretudo o primeiro) que continuam a fascinar fãs em todo o mundo. Chegaram mesmo a voltar a Portugal, para um concerto bastante desafinado no NOS Alive de 2012. Em 2016, lançaram duas novas músicas, dando corpo aos rumores de que o cânone de discos dos Roses estaria, finalmente, prestes a aumentar. Mas, desde então…silêncio. O último concerto foi em 2017, com o vocalista Brown a despedir-se dizendo :”não fiquem tristes por isto acabar, fiquem felizes por ter acontecido”. Oficialmente, ainda ninguém acabou com a banda, mas este novo disco a solo de Ian Brown, o primeiro em dez anos, acaba por dar força a essa teoria.
Isto porque dificilmente Brown guardaria para um disco a solo músicas que poderiam fazer parte de um dos discos mais desejados de sempre, o terceiro dos Stone Roses. A não ser, claro, que o sempre imprevisível John Squire – virtuoso guitarrista e compositor principal da banda – tivesse rejeitado esses temas, algo sempre possível de acontecer.
Com esse capítulo aparentemente encerrado, Brown está a seguir em frente. E, como sempre, à sua maneira.
Ripples é um assunto familiar. Gravado por Brown e pelos seus filhos, é o cantor quem toca a maior parte dos instrumentos. Em termos sonoros, estamos em terreno típico de Manchester, mas curiosamente mais Happy Mondays, muitas vezes, do que Stone Roses.
Ao invés do rock de guitarras melodiosas da banda da sua vida, Brown a solo prefere outros terrenos. Mais do que riffs, aposta no groove, nas texturas rítmicas, nos padrões de repetição. Em vez de um som épico, com singalongs de estádio, o que temos é um disco muito cool, em que o fio condutor entre as músicas é a entrega sempre carismática de Brown. Este não é necessariamente um grande vocalista – quem o ouviu ao vivo sabe do que falamos – mas é um dos tipos com mais pinta do rock britânico. As frases rolam-lhe da boca sempre no ritmo certo, cool e autoritárias, como não poderia deixar de ser vindo do nosso hooligan preferido.
Ripples tem vários momentos muito altos. O primeiro single, “First World Problems“, relaxado e movido a um piano muito Happy Mondays, é disso exemplo. Tal como a descontração groove de “The Dream and the Dreamer”, o funk inspirado de “Ripples” ou o reggae dub repetitivo, solarengo e inspirador de “Break Down the Walls”, que fecha o disco. “Black Roses” é, diga-se, o único tema verdadeiramente rock em todo o disco, ainda que sem um único solo de guitarra.
Não havendo nenhuma música realmente fraca, há vários temas que baixam a média de qualidade e de inspiração, como aliás é típico de Brown.
Sendo fãs absolutos dos Stone Roses, não conseguimos deixar de pensar que o toque mágico de Squire poderia elevar o nível dessas músicas menos inspiradas, enquanto as mais fortes seriam boas contribuições – ainda que atípicas – para um hipotético novo disco dos rapazes de Manchester.
Com essa via fechada, Brown segue o seu caminho, à sua maneira, com a sua família. Ripples é um disco de qualidade desigual mas impregnado de uma coolness difícil de resistir, e cujos vários momentos altos nos pedem audições repetidas.