Enquanto em Portugal se vivia o PREC do “Verão Quente de 1975”, em Londres, nos estúdios Abbey Road, os Pink Floyd chegavam a um impasse criativo nas gravações daquele que viria a ser o sucessor da sua obra-prima, Dark Side of the Moon.
Chegados ao topo da montanha do sucesso, pela primeira vez na sua história, os “reis do rock progressivo e espacial”, sentiam uma enorme pressão não só em entregar um disco à altura, como também em lidar com os seus próprios conflitos internos. No seio do conflito, qual o caminho musical a percorrer?
Foi também neste contexto que começou a haver uma latente separação entre Roger Waters e os restantes membros, mas que só se materializaria uma década mais tarde após a edição de The Final Cut (1983). Mas convenhamos que era da caneta do baixista que advinham as melhores ideias para letras, assim como algumas das melodias mais memoráveis do disco. Curiosamente o projeto (que surgiu em meados de 1974) começou com uma ideia revolucionária: os lendários “Household Objects”. Nada mais, nada menos do que gravar um disco composto por simples objetos que substituiriam os instrumentos convencionais. Uma borracha com uma corda atada a fazer de guitarra baixo? Tachos e panelas a substituir címbalos da bateria? Copos de vidro a fazer de teclados? Sim, tudo era possível na mente destes senhores. O problema é que as “experiências” tomavam séculos em estúdio e a paciência foi-se rapidamente.
Revertendo as suas energias para o formato de composição e gravação tradicional, os Floyd trancaram-se em estúdio na primavera de 1975 para terminar uma longa suite, maioritariamente instrumental, que já tinham ensaiado ao vivo na digressão britânica do ano anterior: eis “Shine On You Crazy Diamond”.
O tema, dividido no sentido clássico do termo em duas partes com nove movimentos dentro de si, é uma homenagem do coletivo ao seu primeiro líder, Syd Barrett. A braços com uma esquizofrenia incurável, “Madcap Syd” ainda gravou dois discos a solo depois da sua saída dos Floyd – The Madcap Laughs (’69) e Barrett (’70), ambos produzidas por David Gilmour – depois disso, um silêncio perturbador interrompido apenas por alguns episódios embaraçosos como o concerto no Olympia Exhibition Hall na qual abandonou o palco a meio do concerto ou a tentativa frustrada de formar uma banda, os erráticos The Stars.
Foi com surpresa e choque que a banda viu uma estranha criatura, gordo e de cabelo rapado, a vaguear por Abbey Road precisamente enquanto fechava as gravações das partes de guitarra de “Shine On”. Foi o baterista Nick Mason que o reconheceu e Waters não conteve as lágrimas. Barrett estava irreconhecível da imagem do jovem hippie, de alguns anos antes quando era unanimemente considerado um “génio” pelo público, a imprensa e pares (nomeadamente David Bowie que pegou em algumas das facetas para construir Ziggy Stardust).
Este reencontro deixaria marcas irreparáveis na banda, até porque foi a última vez que avistaram o seu ex-companheiro. A única parte positiva é que o episódio constituiu o “leitmotiv” temático para desbloquearem a sua barreira criativa e escreverem as restantes canções que iriam fazer parte do álbum.
O grupo voltava em força à personagem do “Lunatic” que já tinha feito a sua entrada em “Brain Damage” no disco anterior. A começar pela perturbante e negra “Welcome to the Machine” (“You Bought a Guitar to Punish Your Ma”) passando para a viciante “Have a Cigar”, cantada pelo amigo da banda, Roy Harper e que contém a famosa “boca” que o grupo ouvia sempre nos tempos de Barrett quando tocavam fora de Londres: “Oh By the Way Which One’s Pink?”
E claro, a balada acústica “Wish You Were Here”, que empresta título ao disco e que segundo Waters não fala apenas só sobre Syd Barrett mas também sobre eles próprios cujo espírito e cabeça não estava 100% nas gravações. “We’re just two lost souls/ Swimming in a fish bowl/ Year after year/ Running over the same old ground/ What have we found?/ The same old fears”
Porém quando foi lançado em Setembro de ’75, os Pink Floyd demonstravam ao mundo que eram capazes de lançar outro “monumento”. O disco foi número um nos dois lados do Atlântico e confirmou-os como uma das bandas mais importantes da história. A fama, o dinheiro e o reconhecimento ficavam, a camaradagem e a química entre os quatro músicos…essa nunca mais seria a mesma.