Vem de 1993 a nossa paixão por Hope Sandoval. Com So Tonight That I Might See, ao segundo disco, os Mazzy Star instalaram-se no nosso coração e de lá não voltaram a sair. Entretanto já acabaram, já regressaram, editaram mais discos. Hope, a vocalista que é a “indie crush” de qualquer homem ou mulher que se preze, também trabalhou a solo e, juntamente com Colm Ó Cíosóig, dos My Bloody Valentine, criou estes Warm Inventions, que nos dão agora o terceiro tomo da sua obra.
Until the Hunter abre com “Into the Trees”, o tema mais longo do disco, e que serve de aviso à navegação. É uma música arrastada, nocturna, fumarenta, com ecos do além e do antigamente a espreitar por cima do ombro. É uma fantasmagoria que vai avançando mas nunca se revela totalmente. Esta aura de mistério, de incerteza, é a marca de Hope e dos Mazzy Star, mas o resto do disco atira em várias outras direcções. É como se “Into the Trees” fosse um teste: quem passar pela sussurrada porta encontrará muito mais do outro lado.
“The Peasant” traz-nos uma bonita balada com direito a slide guitar e tudo. É a altura de nos reconciliarmos com a belíssima voz de Hope, que continua doce, real, ligeiramente mais sofrida. É também o momento da entrada das harmonias vocais, que aqui como noutros temas funcionam na perfeição.
Kurt Vile faz uma significativa perninha em “Let Me Get There”, para um excelente dueto com Sandoval, numa música que consegue ter aquela coolness cansada de Vile e a intimidade da voz da vocalista. Um dos vários momentos altos do disco.
Gravado sobretudo numa antiga fortificação na Irlanda – e parte na Califórnia, onde Hope vive – Until The Hunter é assim, íntimo, bonito, exploratório sem nunca perder a estrutura. Baladas de outro tempo, de qualquer tempo, cantadas no escuro mas sem soturnidade. Outro registo digno de nota é a ausência de electrónicas, que tão fáceis seriam de juntar à mistura. Aqui o mundo é analógico, guitarra – sobretudo acústica mas também eléctrica -, algumas cordas, órgão subtil, e a voz à frente e acima de tudo. Ouça-se “The Hiking Song”, frágil como uma gota de água, que a qualquer momento parece prestes a rebentar sem nunca o fazer, um murmúrio longínquo que nos fica na cabeça bem depois de o som terminar.
O disco encerra em beleza com “Liquid Lady”, o som de uma jukebox num qualquer boteco perdido na noite americana, um fim de noite cansado de um serão que não terá sido como outro qualquer, e que pode mesmo mudar a nossa vida, e pensamos nisso enquanto a guitarra eléctrica dramática, cortante mas esparsa, rasga o escuro e continuamos com a última bebida na mão.
Until The Hunter passa como um sonho, e fica para nos visitar quando fechamos os olhos. Um disco misterioso, muito bonito, cansado e desesperado sem ser nunca histriónico.
Hope, a eterna jovem (não vão à Wikipedia ver que idade tem, por favor), voltou para nos aquecer as frias noites de inverno. Abram-lhe a porta. Vai valer muito a pena.