Disco de estreia de PJ Harvey que, no início da década de 90, institucionalizou as camisas de flanela e estilhaçou a pop suburbana.
Esta é a história de Polly Jean Harvey, a menina malcomportada de Dorset que no estertor do ano de 1992 rasgou as vestes e se mostrou ao mundo, imiscuindo-se na cena Indie com o lançamento do seu primeiro LP.
A provar a crueza que viria a pautar toda a sua obra e rejeitando todas as nomenclaturas pejadas de ornamentos que considerava desnecessários, decidiu que daí em diante se apresentaria no mercado como PJ Harvey Trio. PJ Harvey ficou.
Nascida em Britport, pequeno lugarejo da irrelevante província de Dorset e sufocada num ruralismo que a agoniava, a pequena Polly cedo decidiu que o seu lugar ao sol estaria destinado a ser uma das grandes metrópoles das quais ouvira falar. Começaria por Londres. Nova Iorque lhe seguiria. Com efeito, esse binómio «ruralismo-cosmopolitismo» viria naturalmente a toldar-lhe o início de carreira.
As influências musicais matrilineares que recebeu (com Captain Beefheart e Bob Dylan como expoentes máximos) marcaram-na de forma indelével, mas a jovem Polly cedo escolheu a sua musa inspiradora: Patti Smith. Lascívia, feminismo, volúpia, raiva. PJ seria tudo isso também.
Steve Vaughan, no baixo e Rob Ellis, na bateria seriam o pêndulo cujo corpo suspenso de PJ oscilaria livremente.
Depois de assinarem com a editora independente Too Pure, pagando-lhes umas irrisórias 5000 libras esterlinas, compromete-se a lançar dois singles: “Dress” e “Sheela-Na-Gig”.
Olhando transversalmente para a morfologia de Dry, podemos vislumbrar duas partes distintas. Duas PJ Harvey. Uma jovem num transe obstinado pelo seu amor, que nos aparece e nos faz respirar numa comunhão simbiótica e exasperada que depois se metamorfoseia e se apresenta com uma nova verve revanchista.
Na primeira faixa do álbum “Oh My Lover” ouve-se o grito de alguém frágil e submisso que consente partilhar o espaço por si ocupado na vida do homem que ama com o de outra mulher (“You can love her and you can love me at the same time”). Seguem-se “O Stella” e “Dress” que no leitmotiv nada mudam relativamente à faixa introdutória. Há uma imagem cristalina que toma forma no pensamento de PJ: O seu tempo é limitado, a sua satisfação primordial e o compromisso é o destino de todas as mulheres.
“Victory”, numa linguagem post-punk, com o baixo de Vaughan a pautar o ritmo sincopado, mostra-nos uma certa reabilitação da personagem. A comprová-lo está a passagem “you sweat, dig, I’ll mop it right off your brow”.
A submissão inicial dá lugar, nas últimas cinco faixas, a uma espécie de exortação apostólica. Dominadora, eivada de raiva e dor, PJ lança-se num revanchismo irracional e brada “Gonna wash that man right out of my hair” (Sheela-Na-Gig).
Seguem-se “Hair” e “Joe”, sendo esta última a mais tresloucada das faixas. O feminismo de PJ nasce aí, apesar de sempre ter refutado esse epíteto.
Os arranjos harmónicos e melódicos do álbum são de uma crueza quase arrepiante e totalmente despojada de artifícios. Mas PJ era assim e queria ser assim. Assim era a cultura pop suburbana no início da década de 90. Assim era o grunge de Seattle, assim eram os circuitos alternativos de Londres e Nova Iorque.