Nicolas Godin é conhecido em todo o mundo como uma das metades dos Air. A partir de agora, também como artista a solo. O seu parceiro de banda, Jean-Benoît Dunckel, lançou-se em nome próprio em 2006, enquanto Godin foi adiando esse caminho. Mas com esta chegada, faz estrondo.
Contrepoint é, à primeira escuta, um disco diverso, que percorre inúmeros ambientes, nenhuma canção é parecida com a anterior, há instrumentais e cantadas (em várias línguas), podendo até parecer um trabalho sem grande fio condutor, apenas a disparar para todos os sítios ao mesmo tempo.
Mas é preciso ter em conta que este disco é, antes de mais, um álbum de versões de Bach. Sim, o compositor alemão Johann Sebastian Bach! Nicolas Godin – músico autodidacta cujo instrumento de eleição é o baixo – considera as composições de Bach ‘a música mais bela de todos os tempos’.
Nos últimos anos, Godin foi ganhando interesse em reinterpretar a música de Bach (a vontade tornou-se séria ao ponto de ter aulas de piano), estudou a fundo as pautas e concluiu que é possível tocar Bach em qualquer instrumento. Isso, e o facto de querer trazer estas composições com 300 anos para a luz dos nossos dias, deu origem a Contrepoint. Agora já não soa tão difusa a ideia expressa no segundo parágrafo.
Ao todo, o disco tem 8 canções, todas compostas por J.S. Bach, mas a partir daí, reinventadas, transfiguradas por Nicolas Godin, num caldeirão cheio de ingredientes novos mas onde a herança dos Air, embora esbatida, não chega nunca desaparecer.
Logo a abrir, “Orca”, dá o mote. Guitarra eléctrica e teclados em modo “Bach em ácidos”. A segunda canção, cantada em alemão, já está mais perto do que conhecemos de Godin nos Air, mas com um toque barroco. “Club Nine” é uma balada jazz simples, em trio – bateria, baixo e teclas. À 4ª canção do disco entra em cena um convidado, no mínimo inesperado mas que faz todo o sentido. Marcelo Camelo escreveu a letra de “Clara” e emprestou a esta canção o seu cunho tropical. Fantástica a forma como Godin consegue fazer desta canção um tema que cabe, em partes iguais, no trabalho de ambos – não estranharíamos se a ouvíssemos num disco de Air; soaria natural se estivesse no último álbum dos Los Hermanos.
A segunda metade do disco entra mais no capítulo das bandas sonoras. “Glenn” lembra-me um genérico alternativo da série Dallas. “Bach Off” é afrobeat intercalado de suspense, podia perfeitamente estar num filme de acção dos anos 70, numa parte com uma perseguição. A música que fecha o álbum, “Elfe Man”, encaixa num filme de Inverno, quando se olha a neve pela janela.
Em pouco mais de 34 minutos e inúmeras paisagens sonoras, Contrepoint marca o início de uma nova fase na carreira de Nicolas Godin. Este é o primeiro passo do músico a solo, isso nota-se na experimentação, pode ser que em próximos discos, explore mais um ou outro caminho aqui iniciado, mas também pode ser que continue a desbravar todos os terrenos que lhe apeteça. Seja como for, este disco é uma exclamação fortíssima de um artista a reinventar-se!
P.S. – A não perder, por razões óbvias, o concerto dele em Lisboa no dia 28, no Teatro Tivoli, no âmbito do Vodafone Mexefest.