Neste tempo acelerado e de excesso de oferta que vivemos, e que tem tanto de bom como de pernicioso, é sempre refrescante encontrarmos um objecto sonoro não identificado, um “OSNI”, que se demarca dos demais. É o caso do disco que recomendamos hoje, um bom sinal da diversidade da música portuguesa.
Napoleão Mira, alentejano à séria, é um homem das letras. Poeta, romancista, jornalista, cidadão. E é também pai de Samuel Mira, o conhecido Sam the Kid, com quem tem em comum o gosto pelas palavras.
Este disco, 12 Canções Faladas e 1 Poema Desesperado, é de forma simplista um disco de ‘spoken word’ (pense-se na boa surpresa que foi Vítor Espadinha em “Ouvi Dizer”, dos queridos Ornatos Violeta). Ou seja, um disco no qual a voz, a poesia, está em cima e à frente de tudo. Napoleão Mira pega em Pessoa e nos heróis de Orpheu e, revisitando-os, faz deles um ponto de partida para uma viagem pelo que é ser Portugal e pelos fantasmas que vivem em todos os homens. É também a junção do poeta com uma geração mais nova, como o colectivo Reflect, que compõe com esmero a cama musical na qual as palavras assentam e repousam. Piano, cordas, algumas aproximações ao hip-hop, tudo encontramos neste disco, bem como alguns temas cantados por convidados, como Dino d’Santiago.
E, acima de tudo, a voz de Napoleão Mira. Que declama com autoridade mas com humanidade, fazendo um disco sério sem ser sisudo. Um belo objecto artístico, à margem do tempo. Uma homenagem à palavra, e à língua portuguesa.
Parem o tempo. Ouçam este disco.