“A música portuguesa está bem e recomenda-se” é o chavão que tem sido repetido há mais de uma década sempre que se discute o estado da arte, sendo que a imprensa, os blogues e as webzines têm dado progressivamente destaque a essa tendência. Mas todos os chavões têm um fundo de verdade. É certo que desde a viragem do milénio são inúmeras as bandas e editoras a transformar o palco (e os palcos), colocando-nos a nós, os melómanos, numa posição privilegiada e invejável. Sem nacionalismos, há sempre um lado que se orgulha por constatar que o que por cá se faz em nada deve aos ventos que vêm de fora. E isso é também sinal de que a malfadada cultura, afinal, não estará tão mal assim – pelo menos enquanto existir vontade, nossa (de os ouvir) e deles (de criar).
Olhe-se para a ZigurArtists, editora de Lamego há uns anos no activo, como um exemplo. De netlabel a promotora (é deles o TRC ZigurFest), a Zigur tem servido de berço a propostas cada vez mais interessantes a nível musical, sendo que algumas delas se tornaram já prata da casa: de Mr. Herbert Quain a Twisted Freak, passando por azul-revolto e Mahogany, até aos “esquecidos” C(u)ore And Colours. A arte que nos têm mostrado tem sido, sobretudo, a electrónica nas suas mais variadas vertentes. É o caso de Daily Misconceptions, projecto do lisboeta João Santos, que editou recentemente o seu primeiro LP, Our Little Sequence Of Dreams.
Ainda que a base seja electrónica, a música de Daily Misconceptions vai beber a uma série de fontes, da folk à dream pop, devolvendo uma obra que se poderá, grosso modo, colocar neste campo – caso queiramos fazer disto uma questão de género. Está tudo no título, afinal de contas. É uma sequência de sonhos, desde o chilrear dos pássaros no prelúdio, que de pronto desagua no kraut ambiental da magnífica “End Of Summer”, que puxa pelo passeio em auto-estrada de uma forma que só “Hallogallo”, dos Neu!, conseguiu na perfeição.
Porque é música de estrada; é música de viagem, de aventura, de busca pelo infinito desconhecido. Quando assim é, pouco mais há a dizer. A aventura está no sangue do homo sapiens desde tempos imemoriais, porque de outra forma não haveria mundo. Se ao início “End Of Summer” rebenta em tonalidade cósmica, de seguida abre toda uma caixinha de música: voz, guitarra, percussão, uma deliciosa melodia puxada das teclas. Outono permanente à beira-mar.
Do outono ao inverno em apenas dois passos (“How To Embrace Penguins”), passando pelo sonho bom de criança (“Sundays Are Extended Emotional Landscapes”), e a última página do diário de bordo dando azo à saudade (“They Climbed A Mountain Searching For A Tree”): a sequência forma um filme, curta-metragem de Palma d’Ouro que será melhor apreciada partilhando-a com amigos, na esplanada hipótetica onde o sorriso vale mais que dois dedos de conversa. É um grandioso primeiro disco. E é sinal – permitam-nos – de que a ZigurArtists está bem e recomenda-se.