Talvez seja o resultado lógico da interpretação que damos à tão proverbial ordem natural das coisas. Depois de escrever por várias ocasiões sobre Caetano Veloso (ídolo absoluto reinante no meu restrito Olimpo de deuses das coisas dos sons e das canções), chegou agora a vez de redigir sobre o filho mais velho do genial baiano: Moreno Veloso. Poderia tê-lo feito a propósito do primeiro disco do projeto +2, o já distante Máquina de Escrever Música (2000), em que Moreno liderava os outros dois colegas e companheiros de trabalho (Domenico Lancellotti e Kassin), mas por qualquer razão sem explicação, isso não aconteceu. Esse disco, saído no ano zero do novo século, será sempre merecedor dos predicados de uma futura e eventual crítica, mas foi ficando para trás, foi sendo protelada a redação, protelada até que, de súbito, este Moreno Veloso – Solo in Tokyo se impôs, e aqui está, pronto para ser lido por todos os que são habituais fregueses deste único e cada vez mais superlativo Altamont!
O disco saiu apenas no Japão, através do selo da independente etiqueta Hapiness Records. Sozinho em palco, apenas munido de violão e percussão, é quase irónica a forma despida e crua como Moreno Veloso se apresenta no pais do sol high tech. Começa por dizer, depois de abrir o show com “A Base do Supremo”, do próprio Moreno e de Rogério Duarte (seu padrinho), que o show é dedicado à memória de Dorival Caymmi. Depois avança com temas como “Nem Eu” (de Caymmi) e “Mais Alguém”, primeiro grande momento do disco. Essa belíssima composição, tornada mais conhecida na voz de Roberta Sá no seu disco Que Belo Estranho Dia Pra Se Ter Alegria, mostra Moreno bastante seguro no seu frágil canto, e em perfeita comunhão com as cordas do seu violão. Segue-se “Deusa do Amor” canção surgida no já referido Máquina de Escrever Música, e aqui muito próxima da versão original, também ela quase isenta de adornos instrumentais. É já um clássico na sua voz. “Maré”, tema de Moreno e Calcanhotto e “A Beira do Mar” antecedem a genial “Um Passo à Frente”, que terá ganho versão definitiva na voz da sua madrinha Gal Costa (outrora musa e personagem ativa da visão tropicalista do pai Caetano, e agora presente como intérprete do filho Moreno) no disco Hoje, de 2005. É o segundo grande acontecimento do álbum, e mesmo apenas com os acordes e as notas do violão, é irresistivelmente dançável. Um primor, sem dúvida. Depois chega “Jardim de Alah”, canção de Carnaval Só Ano Que Vem (2007), dos maravilhosos Orquestra Imperial, belíssima e quase comovente na forma como cita, nos seus versos, o homenageado da noite. Seguem-se “Sertão” e “Arrivederci”, de Máquina de Escrever Música, embora pelo meio de ambas surja a prescindível “Osaruno Nataasha”, incursão pela língua nipónica, e que só terá feito parte do alinhamento do show por uma óbvia questão de cortesia, julgo eu. Em “Corpo Excitado” há só voz e percussão de pandeiro, assim como também acontece com “Deusa do Ébano II”. Já bem perto do fim, na penúltima das 15 canções de Solo In Tokyo, regressa o violão ritmado de “Rio Longe”, do já várias vezes mencionado disco de abertura do projeto +2. Subitamente, o disco precipita-se para o seu fim, terminando com a caymmiana “Lá Vem a Baiana”, canção que abre Ary Caymmi / Dorival Barroso: Um Interpreta o Outro, quinto disco do compositor de Salvador da Bahia, do muito distante ano de 1958. O universo do samba, essa herança maior da cultura musical brasileira, está na base de todo o show, e as variantes à norma que Moreno Veloso vai impondo às suas composições, tornam mais rica essa abordagem. Os japoneses devem ter dado por bem empregue o tempo que passaram a ouvir mais um grande músico, intérprete e produtor da nova vaga da MPB. Eu gostaria muito de ter feito parte dessa plateia.
Depois de ouvido Moreno Veloso – Solo In Tokyo com a devida atenção, podemos claramente afirmar que Moreno tem sabido, sem pressas e pretensões, construir uma carreira sólida, embora à margem de estrelatos maiores, fugindo da imensa sombra do seu apelido, porém nunca negando a sua origem artística. Há claras afinidades entre pai e filho, mas também margem de diferença para que Moreno vá conseguindo trilhar o seu caminho, quer a solo (como é o caso), quer na companhia dos cúmplices +2 ou da Orquestra Imperial. A família Veloso não engana, e está para durar!