Acolho sempre com muito entusiasmo um novo disco dos of Montreal. São já muitos e bons os trabalhos da discografia de Kevin Barnes e companhia. No entanto, a banda de Athens não para de surpreender, pois em cada novo lançamento há sempre alguma mutação no registo sonoro, sempre algo de inesperado, e a razão é simples: os of Montreal têm, de facto, coisas para dizer, e gostam de fazê-lo com grande sentido estético, misturando estilos, texturas e melodias num delicioso cocktail sonoro sem paralelismo no atual contexto da música indie rock, se é que a designação faz sentido para uma banda como esta. Previsto para o início de março, Aureate Gloom é mais um excelente registo musical que nos chega um ano e poucos meses depois do igualmente superlativo Lousy With Sylvianbriar. Apesar de estarmos ainda no primeiro trimestre de 2015, atrevo-me a dizer que estará, porventura, encontrado o primeiro dos meus discos do ano. Adoro a banda, adoro o som que habitualmente fazem, e só em circunstâncias muito excecionais os of Montreal poderão desiludir-me. Volta a não ser esse o caso, mais uma vez.
Ninguém como eles consegue verter para a atualidade alguma da magia glam dos anos 70. Isso nota-se, por exemplo, logo na faixa de abertura, na fortíssima «Bassem Sabry». O Bowie da fase Ziggy / Aladdin passa por aqui (pela faixa referida, mas também por todo o trabalho, deixando um rasto claro no colorido, no ritmo, na elegância composicional dos temas de Aureate Gloom, tantas vezes intrincados, mas sem nunca perderem a noção de sentido de conjunto, mesmo que por vezes cada tema transporte em si mesmo uma grande implosão de ideias, que disparam fortemente para lados bem diversos). O álbum que agora escuto diariamente com muito prazer, terá tido um parto complicado. Ou, dizendo de outra maneira, as circunstâncias que antecederam a composição dos 10 temas que dele fazem parte, não terão deixado boas memórias em Kevin Barnes, principalmente devido ao fim da ligação que mantinha com a sua última mulher. O próprio explica melhor do que ninguém: «I was going through a very stormy period in my life and felt like I was just completely trashed. I might be guilty of sharing or exposing too much of my private life, but to me the best albums are those that help people connect with an artist on a deep, human level and that do so without too much artifice or evasiveness.» Talvez por isso o som do álbum se apresente mais cru, mais duro, mais rock’n roll do que em Lousy With Sylvianbriar. Há ruído (como nunca houve no disco de 2013) em «Chthonian Dirge For Uruk The Other», há guitarras estridentes em «Virgilian Lots», em «Last Rites At The Jane Hotel» e, na verdade, em todas as outras canções. Todos os temas são vibrantes e fortes. Não há um minuto de descanso neste Aureate Gloom. Depois de ouvir o disco várias vezes, confesso que não é fácil perceber quais sãos, para mim, as melhores faixas, o que diz bem da qualidade do álbum. Mesmo assim arrisco a já referida «Bassem Sabry» (homenagem clara ao jornalista egípcio e defensor dos direitos humanos falecido em abril de 2014), «Empyrean Abbatoir» e «Monolithic Egress». O sentido aparatoso de todas as três canções e a teatralidade das suas roupagens é assombrosa.
Por fim, um último elogio aos of Montreal, e a Aureate Gloom em particular. Não é todos os dias que podemos escutar uma banda assim tão inventiva, tão única. Todos os predicados que lhes conhecemos permanecem intactos no disco presente. Podemos ouvir este brilhante lote de canções sem nunca corrermos o risco do cansaço. Claro está que a crítica mais independente vai voltar a dizer maravilhas desta nova proposta de Kevin Barnes. No entanto, os ouvidos mais habituados a trautear o facilíssimo musical que mais se ouve e prospera no mundo vão ignorar olimpicamente este disco. É assim a vida. Já estamos habituados. Paciência… Pela nossa parte, fazemos o que julgamos justo e apelamos à audição de Aureate Gloom. Verá que não se vai arrepender.