Em 2022, após nos terem deixado um sabor desagradável na boca, os MGMT voltam a surpreender – como tanto gostam de fazer. Loss of Life, o seu mais recente trabalho, presenteia-nos com dez canções de qualidade como há algum tempo não se assistia por parte destes dois nossos queridos músicos.
Os MGMT não têm nada a declarar. São uma banda de máximo respeito, mais que cristalizada no pedestal da música indie desde o seu primeiro álbum, Oracular Spetacular – um absoluto cânone do género. O sucesso que se gerou com o seu lançamento revelou ser, contudo, um sabre de dois gumes. Criou um público sedente por mais de “Electric Feel”, “Kids” e “Time to Pretend”. Uma ordem de vampiros que se alimenta de “hits” dançáveis e rápidos. O que, ciente dessa realidade, não alarmou a banda, que se manteve fiel à sua arte. Seguiram-se álbuns inovadores e inventivos que, apesar de bons, nunca receberam o mérito devido – sempre ouvidos sob a omnipresente sombra do ano de 2007.
Houve, no entanto, momentos de revolução. Little Dark Age, álbum de 2018, consegue desviar os holofotes de Oracular Spetacular, num ato quase inédito, graças ao seu caráter pop imediato. E o mesmo agora se sucede com Loss of Life: um projeto tão fresco e inegavelmente bom que provoca uma espécie de amnésia no público, fazendo esquecer por momentos o álbum de estreia – que tão inutilmente se aguarda ver replicado.
As pessoas crescem, não o conseguimos evitar. Mais tarde ou mais cedo, fazemos perguntas e apercebemo-nos de que nunca conseguiremos resposta para nenhuma. Aprendemos a viver com a dúvida: é ela que nos mantém acordados à noite, é ela que dá emprego aos psicólogos. Morremos, nascemos e a dúvida estará sempre lá, sentada, enquanto come pipocas, a assistir ao espetáculo da raça humana. Não há nada a fazer. Toma-se uma aspirina e dorme-se, que amanhã é um novo dia.
Os MGMT fartaram-se das aspirinas – mas, não quer dizer que as deixaram de tomar. Em parte, já não aguentam o silêncio instaurado pela convenção para prevenir as pessoas de pensar no grande vazio que jaz por detrás delas. Por outro lado, suspiram resignados, sem esperança em algo mais que desfaça o cinzento da vida. Loss of Life concilia esta dualidade paradoxal, que é, na verdade, tão típica do comum cidadão.
Boas letras, boas composições e boa capa. O que é que se quer mais?
A lírica, num registo pouco habitual, nunca carece de engenho, como esperado pelos autores de “Time to Pretend”. O sarcasmo a que antes os MGMT nos habituaram foi substituído por uma honestidade resignada e “Nothing Changes” ilustra muito bem esta viragem para a conformidade existencial, em abandono do criticismo irónico, abundante em passados trabalhos. “This is what the gods must have been talking about/ When they told me, “Nothing changes”. Agora, as linhas cómicas dão lugar a desabafos decorados com jogos de palavras e imagética colorida, como em “Bubblegum Dog”. Esta figura, o “cão chiclete”, representa a materialização da verdade, o seu portador, que vem derrubar a alegre encenação que temos da vida e que nos dá a mão para nos impedirmos de ver o fundo abismo da realidade. “People in the Streets” é outro destaque lírico que merece menção – cru e desesperante no tratamento da falsa compreensão do mundo e das “pessoas na rua”.
Musicalmente, é algo de inesperado – mas, isso já era de esperar. Primeiro que tudo, há que se louvar, em alguns dos temas, a ousada – e bem executada – revisitação aos anos 80. “Nothing Changes” seria um tema recebido sem caretas no ano de 1984, com o ambiente espacial típico das baladas de um Lionel Richie, acompanhado somente por sussurrantes guitarras e uma bateria forte e pausada. Para não falar de “Dancing in the Babylon”, outra perfeita balada “eighties”, feita em dueto com a vocalista de Christine and the Queens, que contribui com poderosas harmonias vocais.
De resto, em “Nothing to Declare”, “Mother Nature” e “Bubblegum Dog” visitamos um espaço familiar, uma espécie de “lugar-comum” da banda, que, verdade seja dita, também é bom de se recordar: temas acústicos, sem aviso e pungentemente rasgados por “gordos” sintetizadores. Dá-se, porém, uma viragem sonora durante as últimas três canções, mais flutuantes e pouco táteis para um álbum predominantemente pop. Calma. Também se ouvem bem – só que não à primeira. São composições mais experimentais, que permitiram à banda explorar outras regiões musicais e que, de certa forma, reproduzem a sensação de uma decadência estrutural, ou, de uma “perda de vida”, como infere o título do álbum.
E assim ficamos. Mais um excelente álbum de uma excelente banda. Um suspiro sobre a vida bem produzido e ornamentado. Uma banda sem medo de admitir vulnerabilidades e fraquezas perante um público que, também ele humano, se sentirá co-autor de todas estas canções.
Top! Bela descrição deste álbum! Curti