Hoje, o meu nome é Gal. Será Gal o nome de todos aqueles que a amaram ao longo de muitas décadas. Hoje, amanhã e sempre que ouvirem de novo a voz encantadora daquela menina que num célebre Domingo partilhado com Caetano Veloso soube cantar para a eternidade os versos de “Avarandado”. Nessa canção, como muitos saberão, há uma estrada “que vai dar no mar”, assim como há palmas enluaradas e dias que nascem. Hoje, a realidade foi outra e, num repente, do dia fez-se noite. Maria da Graça morreu. Que viva Gal Costa!
O amor por Gal Costa formou-se muito cedo em mim. Desde muito novo, adolescente ainda, fui acompanhando os seus passos e me encantando com a sua voz. O Brasil, naquela época, estava acostumado a amar a voz de Elis, mas desde o ano de 67 que Gal entrou nessa pacífica luta de disputar o Olimpo com a saudosa Pimentinha. Ganharam ambas, pois claro. E ganhámos nós, mas hoje a sensação é de perda. No entanto, serão sempre ambas as reginas da música popular brasileira. Hoje vai ser grande a festa e a cantoria nas alturas celestes.
Lembro-me de comprar os discos de Gal Costa e de os ouvir com os cuidados de quem sabia que eram objetos preciosos. Lembro-me de ouvir os seus discos psicadélicos iniciais, mas também de “Eu Sou Terrível”, de Legal. Do espanto de Gal a Todo Vapor (com aquelas históricas fotografias a preto e branco que me davam um sedutor nó na garganta), do maravilhoso Índia (capa, contracapa, conteúdo lírico e melódico), das canções de Água Viva, dos “cornos pra fora e acima da manada” da Gal tão Profana quanto icónica. Foi assim a minha vida toda, a lembrar-me de Gal Costa e da sua obra. Lembro-me do Bem-Bom que foi Gal ser a “Musa de Qualquer Estação”. Gal era tudo isso, todo o encanto, toda a graça, como era (e é e será) o Sorriso do Gato de Alice, com quem tantas vezes me aninhei, sentindo as suas festas felinas nos ouvidos e na alma. Lembro-me, como se tivesse sido ontem, de a ver e ouvir pela primeira vez no Coliseu, lá pelos anos 80.
Hoje, quando a notícia da morte de Gal Costa chegou, qualquer coisa se quebrou em mim. Muita coisa, aliás. Foi desses pequenos cacos que fiz este texto. E, como tantas vezes acontece, as palavras podem revelar o que queremos esconder. Na verdade, as palavras não choram, mas nem sempre quem as escreve está em perfeita sintonia com elas.