Tem de ser pesado. Tem de ser rápido. Tem de ser bem tocado. Tem de ser num volume bem acima do rock que na década em causa era considerado aceitável pelos donos dos bares. Tem de ter o James Hetfield a rosnar e os solos do Kirk Hammet. Tem de ter baixo. E convém que Lars esteja minimamente apto para o serviço. Hardwired … To Self Destruct tem tudo.
Conta-se em três capítulos. E começa com um susto ao Mundo.
Brincava-se de calças elásticas, olhos pintados, laca e até, juro que é verdade, lantejoulas em cabedal, quando apareceram os Quatro de São Francisco. Feios, porcos e maus, orgulhosamente desleixados, ostensivamente alarves; queriam mais alto, mais rápido e mais agressivo. Resultado? Três dos melhores discos de rock da história e, de embalo, o disco que ninguém esperava. Nem o Mundo que foi espreitar de onde vinham, nem os próprios que carregavam demasiado Jack Daniel’s. Fim de primeiro capítulo.
Ao Lado
Senhores de um sentido de oportunidade só comparável ao de Kramer (sim, esse), lançaram o homónimo no ano de Nevermind, de Ten e Blood Sugar Sex Magic. E no ano em que os solos de guitarra passaram a dispensáveis, os Metallica hibernaram. Da garagem, largaram Load e Reload. Quando estoiraram fizeram ponto de honra em mostrá-lo ao Mundo. E para os desatentos, editaram St. Anger. Ora porque andavam a ouvir country, ora porque o Mundo se tinha virado para o nu-metal, tocaram sempre o que lhes apeteceu. Fosse com uma orquestra ou com Lou Reed. Pausa.
Para Fechar?
Foi preciso parar, respirar e reagrupar para entrar no terceiro capítulo. Testaram o mais novo, tiraram a ferrugem, assumiram as origens e tentaram relembrar o Mundo que ainda respiravam, que em 2008 ainda mereciam ser ouvidos. E Death Magnetic cumpriu, pelo menos, a missão de manter aguçada a curiosidade da trupe do rock. Agora, passados oitos anos, lançados nos cinquentas, pais de muitos, eventualmente avós, voltaram aos discos.
[Peço desculpa pela demora, mas a arte do preliminar deve ser cultivada]
Primeiro “Hardwired”, “Moth into Flame” e “Atlas!Rise”. Os primeiros singles apresentados ao Mundo só deixavam dois cenários em aberto. No quartel dos Metallica, ou sobrava confiança ou a festa seria curta. Não é. O disco é duplo e tem mesmo tudo. Até um extra com exibições ao vivo.
Hammet assume o lugar de protagonista e toca como há muito não se ouvia. Exagero? Lá por fora, a comparação tem sido com Ride The Lightning, para muitos o melhor disco da banda. Trujillo ganhou estatuto e abre, com um solo, outro dos momentos altos do disco, “ManUkind”. Naturalmente, Hetfield tem a sua – “Here Comes Revenge” – e a surpresa é que desta vez não só a bateria ganhou som, como Lars se apresenta em forma e mais que apto para o serviço (“Moth in Flames”). Custa a acreditar?
Para fechar, capítulo e disco, aparece “Spit Out The Bone”. O tempo dirá se a “arma secreta”, como lhe chamou o Consequence of Sound, entra ou não para a lista das mais tocadas, mas para já cumpre uma reconfortante missão. Ficámos sem a dúvida, os Metallica estão vivos e há mais de vinte anos que não soavam tão bem. E com Trump a chegar à Casa Branca, o refrão é: “We’re Fucked, Shit Out of Luck, Hardwired … to Self Destruct”.
Por mim, autorizo, se tiver mesmo de ser, que fechem. Se obedecerem ao chefe Lars e tocarem “enquanto for fisicamente possível”, não estraguem. De qualquer forma agradeço.