Poucos dias antes da sua morte, Amy Winehouse cruzou-se na Dean Street com Suggs. Trazia uma guitarra por cima do ombro e ao ver o vocalista dos Madness atirou-lhe: “tudo bem, Nutty Boy?”. Este foi o termo que os Madness criaram para si próprios no início dos anos 80, quando eram a banda mais tresloucada de Londres, e Amy conhecia a história. “Fez-me rir, porque…porra, eu tenho 55 anos e ela está a chamar-me Nutty Boy, mas é mesmo uma coisa à Amy Winehouse. Tocou-me mesmo. É muito triste”, afirma Suggs ao Guardian.
O encontro serviu de inspiração a “Blackbird”, um dos temas do novíssimo disco dos Madness, Can’t Touch Us Now. E é ilustrativa da forma como as suas canções nascem, sobretudo agora que a loucura de outros tempos está bem longe.
Os Madness, cuja primeira encarnação vem dos North London Invaders, nasceram em 1976. Uma vida, portanto. Tiveram de tudo. Muitos sucessos, digressões, brigas com outros e entre si. Viram tudo acontecer, foram banidos quatro vezes do Top of the Pops pelas palhaçadas constantes, chegaram a invadir o estúdio dos Clash vestidos de polícia, levando Strummer e amigos a deixarem de lhes falar nos anos seguintes (reza a lenda que atiraram uma pequena fortuna em substâncias ilícitas pela sanita abaixo). E, como sempre fizeram, as suas músicas reflectem o que viveram, o que viram. A diferença está, talvez, no grau de energia, de macacadas, daquela adorável idiotice que nos fez gostar tanto deles.
Em 2016, os Madness sabem que não vão mudar o mundo, e que parte do mundo se esqueceu deles. Ainda assim, continuam com um estatuto elevado por terras de Sua Majestade. São os sobreviventes de muitas épocas, Suggs manteve-se conhecido ao participar em programas de televisão, e são vistos como algo tão caracteristicamente britânico como o chá das cinco ou Alex Ferguson. A própria capa deste disco, muito Sherlock Holmes, nos remete para esse imaginário de uma Inglaterra passada.
Can’t Touch Us Now, nas suas 16 músicas, dá-nos exactamente 16 vinhetas de Londres, do Soho, de Camden, o mapa das longas vidas destes putos que tinham tudo para continuar a ser apenas uns hooligans do futebol, não tivesse a música mudado o curso da história de cada um dos membros.
Ouça-se “Mr. Apples” ou “Pam the Hawk”, esta última história verídica de uma muito bem sucedida pedinte do Soho que gasta o dinheiro todo nas máquinas de jogo. É Londres, com uma profundidade, alguma tristeza, uma honestidade que só a idade pode trazer. São postais ilustrados, cartas de amor a uma cidade que tanto cria como destrói, e às figuras que a habitam.
É claro que há também espaço e tempo para a rambóia, como no ska de “Mumbo Jumbo” ou de “Grandslam” ou o reggae de “Given The Opportunity” e “I believe”. Estes bombons dão-nos o gostinho dos velhos tempos, mas não marcam o ritmo do disco. Esse, o seu traço mais decisivo, são os temas mais longos, mais lentos, com mais letra, que não entram imediatamente mas que depois de algumas audições nos vão levando para dentro das histórias que Can’t Touch Us Now traz. Nesse sentido, preferimos destacar a já mencionada “Blackbird” ou a lindíssima “You Are My Everything”, o mais próximo que os Madness alguma vez estiveram de fazer uma verdadeira canção de amor.
Can’t Touch Us Now dá-nos uns Madness maduros, talvez cansados mas não derrotados. Um disco que consegue ir buscar o passado de sucesso e enveredar por um caminho menos óbvio e por isso mais corajoso. Pode ficar até como um capítulo menor numa carreira gloriosa, mas merece muito respeito, algum carinho e o nosso agradecimento pela dignidade que carrega desde a primeira nota.