Apenas dois anos depois do disco de estreia, a Luta Livre, do histórico Luís Varatojo, volta à carga com um disco ainda mais directo que o anterior e mais próximo do formato canção.
Em Técnicas de combate (2021), o conceito teve a prova, bem superada: um registo livre, com forte base em samples, de jazz mas não só, movido a uma boa onda que ajudava a engolir melhor as palavras de luta social. Agora, como explicou Varatojo numa excelente entrevista ao Altamont, o músico sentiu que “a ideia foi agora ir à bruta”. A “bruta” do antigo vocalista dos saudosos Peste & Sida refere-se sobretudo à mensagem explícita, mas a técnica utilizada no primeiro disco é aqui parcialmente replicada: não temos aqui sermões, cantos de protesto inflamados à guitarra acústica ou agressividade nos nossos ouvidos ou na nossa consciência. O que temos são letras óptimas, certeiras mas com zero de pretensioso, em cima de uma base pop-rock, com espaço para todos os seus primos, do reggae à chula, com pós de música popular portuguesa (e até os ferrinhos do sertanejo) e dub, sempre com um resultado constante: canções agradáveis de ouvir e, aqui e ali, verdadeiramente viciantes.
Depos de, na estreia, Varatojo se ter propositadamente afastado do formato canção-guitarra, aqui detectamos uma estrutura mais clássica das músicas, que ganham em foco e em familiaridade o que perdem em criativa esquizofrenia de um caldeirão onde continua, ainda assim, a caber muita coisa. Há também uma renovada convicção naquilo que se faz, agora com mais companhia de outros músicos, continuando a caber a Varatojo a definição inicial de toda a estrutura.
Cada canção é uma vinheta dos problemas modernos da nossa sociedade: o magro salário, a falta de habitação acessível, a luta de classes (com os mesmos de sempre a ganhar), a desigualdade ou a tensão social.
Destacamos o primeiro single, “Panela de pressão”, talvez a canção mais 2023 que vamos ouvir este ano; a pérola pop de “Conto do vigário”, com uma letra genial servida por um refrão saltitante e viciante; os ecos pop-africanos de “Um T Zero no Barreiro”, em que mais uma letra absolutamente certeira é servida por uma música que se nos cola aos ouvidos; a chula, com ecos do Minho e de África, de “Fruta da época”; “Blá Blá Blá”, sobretudo pela sua mensagem que nos insta a não cair na patranha da meritocracia num jogo que está viciado à partida; a homenagem bonita e modernizada ao sonho de unidade do pós-25 de Abril de “Balada do trabalhador ou ainda na portuguesíssima “O Povo é que manda”, com ponto de partida em quadras de António Aleixo, poeta popular.
Não é comum a um músico que tanto marcou uma geração anterior estar tão sintonizado com o que a juventude de hoje pensa e sente. E Varatojo fá-lo com uma autenticidade e uma fidelidade ao que sempre foi que faz a diferença. Temos ecologia e igualdade, mas não temos wokismos nem slogans tirados à pressa do tik-tok. É que certo é certo, e errado é errado, e há valores que não foram inventados agora, e gente que sempre por eles se bateu. Varatojo está nas lutas de hoje, mas não cai em bullshit fácil para consumo digital.
A luta é livre, e está aí para as curvas. Até porque não faltam motivos para lutar.