“This is an emergency broadcast from the BBC. Information of a possible nuclear strike against this country has been received.” É com este alerta de aviso que começa o novo álbum de Luke Haines, um dos meus mais queridos heróis da velha Albion. Haines tem andado em grande forma, como é seu timbre aliás, desde o tempo dos The Auteurs. Ultimamente, Luke Haines tornou-se ainda mais irrequieto e surge agora com esta nova e improvável proposta: um disco sobre bunkers nucleares em redes subterrâneas, e sobre o perigo eminente de ataques devastadores. A “frieza gélida” do anúncio de abertura de British Nuclear Bunkers tem perfeito seguimento em todo o disco, e por isso a escolha acertada de ser inteiramente tocado em sintetizadores analógicos. O som assético confere-lhe um caráter único, despojado, metálico, impessoal. Trata-se, como é fácil perceber, de mais um disco conceptual, depois dos anteriores New York In The ’70s (com crítica entusiamada neste mesmo site), Rock And Roll Animals e 9½ Psychedelic Meditations on British Wrestling of the 1970s And Early ’80s, apenas para citar os mais recentes. Esta parece ser a praia de Luke Haines, um dos génios mais incompreendidos do pop-rock das últimas duas décadas e meia. Saiu no último dia 16 pela excelente Cherry Red Records, e é um primor!
São várias as coisas que me agradam neste disco. Uma certa linguagem kraut, por exemplo, a aproximação (ou será melhor dizer colagem?) aos enormes Kraftwerk – ouça-se, como meros exemplos, a faixa “Camden Borough Control”, sobretudo quando os sons estridentes do que me parecem ser sirenes dão lugar ao dedilhar das teclas melodiosas dos sintetizadores, e também “Deep Level Shelters Under London”, o tema que encerra o disco -, as melodias primárias e ritmadas desenhadas em “Test Card Forever”, e até um certo tom de divertimento pueril que percorre todos os minutos de duração deste novo trabalho de Luke Haines. É, a bem dizer, um disco quase instrumental, onde as partes vocais são mais faladas do que cantadas, e não chega a ter meia hora de duração. Da minha parte, satisfaço-me com essa curta duração, não por ser de facto reduzida, mas por me parecer certeira no tempo útil que oferece ao ouvinte, tempo ideal para que se construa uma realidade futura imaginada (utópica, distópica, próxima, distante?) e se saia dela a tempo de não se deixar intoxicar com a toxicidade dos gélidos e terríficos ambientes criados.
Tudo conta e tudo vale na obra de Haines, até a ideia de um tempo que aqui se imagina futuro, e que em trabalhos anteriores (os que já citei neste mesmo texto) nos faziam recuar algumas décadas. Como se perceberá, este não é um disco amigo de todas as horas, muito menos um trabalho de audição fácil. Pelo contrário, British Nuclear Bunkers pode criar, sobretudo no ouvinte menos atento aos devaneios de Luke Haines, um certo incómodo, uma estranheza impossibilitadora de nele se poderem encontrar motivos mais escondidos e menos óbvios de encantamento. Mas depois, é essa a minha esperança (mais do que certeza), todos esses involuntários equívocos podem desfazer-se, percebendo-se então, assim o espero, a grandeza e a beleza ímpares deste álbum. Pouco próximas da ideia clássica de canções, as dez curtas faixas de British Nuclear Bunkers mais parecem uma banda sonora de um raro filme noir de culto. De facto, Luke Haines já frequentou musicalmente esses terrenos (Christie Malry’s Own Double Entry, de 2001), mas esta sua mais recente proposta discográfica soa ainda mais a banda sonora, mesmo sem pertencer a essa categoria, o que não deixa de ser curioso.
Curioso é também o mundo de Luke Haines! Incapaz de fazer dois álbuns iguais, sobretudo quando os grava em nome próprio, o músico nascido em Walton-on-Thames (adoro este nome de localidade) há 48 anos, tem feito de 2015 um ano extraordinariamente prolífico. Depois de Raving (Volumes 1-75), em que gravou um mesmo álbum por 75 vezes, e cuja tiragem foi limitada a essas sete dezenas e meia, lançou ainda uma mini-ópera intitulada Adventures in Dementia sobre um tipo que se quer fazer passar por Mark E. Smith em férias na sua auto-caravana, e ingleses punks fascistas de uma banda de nome Screwdriver. Parece-vos tudo isto algo inusitado? Então é porque não conhecem bem o trabalho do homem em questão e o seu riquíssimo universo particular. British Nuclear Bunkers é apenas o mais recente capítulo do seu trajeto musical. Desta vez, o que temos é “Maximum Electronic Rock and Roll”, Luke Haines dixit.