Há razões de grande contentamento para os apreciadores (como eu) de Leonard Cohen. Mesmo para aqueles que consideram (como eu) que cada novo disco do músico canadiano é imaculadamente igual aos anteriores, a satisfação é plena. Todos os que gostam (como eu) do criador de «Suzanne» querem tudo menos novidades no som e nas canções de Cohen. Assim mesmo, mais do mesmo, a mesmíssima receita para o nosso íntimo prazer: os poemas com a qualidade de sempre, a voz que nos sussurra coisas ao ouvido como sempre sussurrou, as composições com o travo agridoce a que sempre nos habituou. Sempre o mesmo, e para sempre. Hallelujah!
Para tudo ser ainda melhor, Popular Problems (é este o título do disco) acaba de chegar. No menu podemos encontrar nove novas canções com os ingredientes habituais. Que alívio! Temos um novo Cohen com a chegada do outono! Aos 80 anos, Leonard Cohen continua o seu caminho e passa por nós com a delicadeza dos mestres, Dalai Lama dos sons e das palavras para as almas que o souberem acolher e escutar. Eu sempre soube, e nunca me arrependi. Cohen tem tanto para nos contar no pouco que diz que é quase milagrosa essa sua capacidade de multiplicação metafórica. Assim saibamos continuar o que Cohen nos entrega.
O disco abre com «Slow», canção que nos coloca perante uma espécie de receita da longevidade, ao mesmo tempo que nos revela o conhecimento adquirido ao longo dos 80 anos do cantor, que curiosamente se completaram no passado mês de setembro. Diz assim, para que não restem dúvidas: «I’m slowing down the tune / I never liked it fast / You wanna get there soon / I want to get there last.» E por esse caminho vai avançando o disco, devagar, quase parando, mas nunca perdendo o sentido rítmico a que nos foi habituando ao longo dos anteriores 12 discos de estúdio, ora acariciando os blues burlescos tão tipicamente seus, o jazz, ou então partilhando os compassos de uma valsa à sua maneira. O trovador das causas humanas, o filósofo da complexidade da existência, o mítico poeta de «Bird on a Wire» está de volta, e em excelente forma. No entanto, e como sempre, é preciso saber ouvir, é imprescindível perceber que todos os discos de Leonard Cohen não se esgotam à primeira audição, antes se depuram com a passagem do tempo. Ouvir de novo, e mais uma e outra vez, é o que se deve fazer para que, no emaranhado das canções e das suas subtilezas, se possa criar um espaço (e um tempo, pois claro) de reflexão. Ouvir um disco de Cohen é também pensar sobre o que nele se diz. Só assim se completa o percurso.
Outras canções a destacar, embora todas pudessem ser merecedoras de um sublinhado especial, se assim o entendêssemos, são «A Street», com uma magnífica linha de keyboard a marcar bem o seu terreno, «Almost Like The Blues», «My Oh My», «Did I Ever Love You» (em que a voz de Cohen se parece tremendamente com a de Tom Waits) e «Born In Chains», com os coros femininos também costumeiros em muitos dos discos do compositor.Podemos afirmar que Popular Problems é um disco que continua o anterior Old Ideas, de 2012. Até mesmo nos pormenores da capa de ambos isso se torna claro. Cohen surge com o mesmo tipo de vestimenta (fato, gravata e chapéu), mas o mais interessante é a permanência, em ambas as capas, de duas sombras, uma negra, a outra encarnada. Que mensagem escondem? O que representam? As respostas estarão, também elas, escondidas. Talvez nos discos, nos poemas, ou em nós. Mas não vale a pena termos pressa, nem sequer devemos pensar no momento em que se fará luz sobre esta ou outras questões. Talvez seja melhor voltarmos a «Slow» e aos versos que dizem, sussurrando a importância das palavras, «I always liked it slow / I never liked it fast / With you it’s got to go / With me it’s got to last». Estamos esclarecidos, não estamos?