Comecemos pelo óbvio contexto: Kurt Cobain foi a figura definitiva da música alternativa dos anos 90, influenciou tudo e todos, desde a música à moda, e continua a marcar o imaginário do rock para aqueles que já eram gente quando apareceu e desapareceu.
Mais, a sua figura e até as circunstâncias da sua morte foram de tal forma esmagadoras que, mais do que os Nirvana, é Cobain quem centra as atenções da História. E se, ao longo dos anos, temos vindo a ser presenteados com tudo o que a banda de Seattle gravou e nunca editou (sem qualquer surpresa que superasse os originais efectivamente editados), a descoberta de uma torrente de material inédito do próprio Cobain teria tudo para ser uma espécie de Santo Graal para milhões de melómanos de todo o mundo.
Infelizmente, há que dizê-lo, não é nada disso que temos aqui.
Parte do material agora editado em disco já surgia em “Montage of Heck”(ver trailer abaixo), o documentário de Brett Morgen, que mergulha na intimidade de Cobain para nos dar um retrato único do homem para lá do músico. Aquando da pesquisa de imagens para o documentário, Morgen deparou com as cassetes que dariam a base sonora para algumas cenas, e que agora ganham vida por si próprias.
O que temos na versão normal de Montage of Heck: The Home Recordings, são 13 “músicas”, ou melhor, fatias sonoras, com grande desigualdade de estilo e de qualidade. Esta versão condensada traz, digamos, o essencial. O que temos aqui são experiências sonoras de Cobain, em casa, esboços de músicas – algumas viriam a dar alguma coisa, outras não – , mais do que exactamente maquetes ou verdadeiras demos. O destaque acaba por ir a versão de “And I Love Her”, dos Beatles, pela surpresa, e pela interessante demo de “Sappy”, que alguns fãs poderão não conhecer. Em “Letter to Frances”, por exemplo, chega a ser confrangedor ouvir Cobain dar “pregos” na guitarra. Obviamente, são gravações para assentar ideias; nunca foi intenção de Cobain que chegassem aos ouvidos do público.
Na versão deluxe, as 13 faixas disparam para umas absurdas 31, e aqui torna-se ainda mais evidente a dispersão do material, a falta de sentido de muito dele, a tentativa desesperada de encher, de dar ao fã todo e qualquer segundo gravado pela mão mitológica do músico. Há vozes engraçadas, muitas palhaçadas cuja piada escapa ao ouvinte. Pontos altos? Sobretudo “Aberdeen”, Kurt lendo um conto seu sobre a sua adolescência, com interesse literário e não musical. O resto são esboços, experiências, barulho e coisas sem interesse. Só falta ouvirmos Cobain ler a lista de compras de supermercado, e se houvesse som disso com certeza estaria aqui.
E este é o problema. Este conjunto de sons, digamos assim, ajudam a completar o retrato do músico, sem dúvida, pelas suas tentativas, pelas suas ideias iniciais, pelos seus interesses e influências musicais. Mas, afinal, trata-se de um disco. E, enquanto disco, ou seja, enquanto algo que compramos para ouvir e desfrutar, é uma coisa muito pouco satisfatória.
Não vamos tão longe de dizer que isto é um aproveitamento do morto para fazer dinheiro, até porque há aqui, no meio do entulho, algum (pouco) material com interesse histórico. Mas este Montage of Heck: The Home Recordings não merece ser colocado ao lado das verdadeiras obras dos Nirvana nem é o testamento que Kurt Cobain gostaria de ter deixado como sua palavra final.