Cordas, sopros, southern rock, Motown e cocaína dos anos 70, em mais um belíssimo disco dos King Gizzard.
Os nossos australianos preferidos estão de volta aos discos, naquele que é apenas o seu primeiro do ano mas já o 27º de uma discografia esquizofrénica, compulsiva e, na esmagadora maioria dos casos, brilhante.
Com uma base sobretudo de hard rock psicadélico, os King Gizzard and the Lizard Wizard são conhecidos por se aventurarem por todos os campos, da electrónica ao folk, do kraut ao synth-pop, passando pelo country e pela base fundacional dos vários subgéneros do rock. Em 2025, este novo Phantom Island ficará conhecido como o “disco de cordas” dos King Gizzard.
Avisamos já que isto é um disparate e não explica absolutamente nada. Mas recuemos à origem do disco.
O material para Phantom Island foi gravado na mesma altura daquilo que veio a ser Flight b741, o seu álbum anterior, editado em 2024. O travo desse disco era definitivamente o mais classic rock que os rapazes algumas vez gravaram, com traços marcados de blues e southern rock. As canções de Phantom Island são das mesmas sessões e trazem parte desse sabor. Acontece que, já na altura de misturas, a banda sentiu que faltava ali qualquer coisa. Inspirados pelo facto de terem conhecido a Orquestra Filarmónica de Los Angeles a seguir a um concerto, surgiu a ideia: que tal pedir ao compositor, maestro e arranjador britânico Chad Kelly para construir arranjos de cordas e sopros para adornar as canções? E assim foi. Nada estranho no estranho mundo dos King Gizzard and the Lizard Wizard.
O resultado dividiu os zelosos e numerosos fãs da banda. Uns acham a coisa muito “dad-rock” ou soft, outros aplaudem mais uma lança cravada em território desconhecido. No que nos toca, agradou-nos bastante. Mas somos suspeitos, claro.
Quando se fala em cordas, há quem pense em música clássica, há quem pense nos melosos Carpenters, mas em Phantom Island o registo é outro. A conjugação de cordas e de sopros leva-nos mais para os mágicos tempos da soul da Stax ou da Motown, dando ao trabalho um tom cinemático e groovy que funciona muito bem. Este não é, atenção, o “disco de blaxploitation” dos King Gizzard (embora isso soe muito promissor). A personalidade própria da banda está sempre presente e o rock continua a ser a base de tudo, mas dando ao grupo a liberdade para ir para onde bem entende (veja-se a viagem incrível da faixa-título, logo a abrir).
Já “Deadstick” é um gostoso e desavergonhado southern-rock do princípio ao fim, a lembrar as deliciosas desbundas dos Blues Brothers; “Lonely Cosmos”, banhada a cordas e flauta, é uma viagem onírica pelo espaço, enquanto “Eternal Return” prolonga o ambiente em tons mais jazz e funk, na segunda metade; “Panpsych” é leve como um passeio na primavera, roubando a ligeireza funk de uns Jamiroquai.
A segunda metade da rodela começa com a bonita e sonhadora “Spacesick”; “Aerodymanic” leva-nos ao som de Elton John nos anos 70, em mais uma canção que começa de uma forma e se vai metamorfoseando de modo surpreendente e sempre delicioso, por vezes lembrando os exercícios de Frank Zappa; “Sea of doubt” é uma pérola discreta, toda ela flauta e cordas subtis; já “Silent Spirit” arranca com um daqueles riffs de guitarra tão simples que parece que estava há décadas a pedir para ser gravado, mas na qual cabe tudo, desde um tom meio lounge ao funk.
O disco encerra com “Grow wings and fly”, uma intensa viagem que de certa forma sintetiza tudo o que de bom há neste disco: bateria kraut, cordas bonitas, uma melodia inspirada e uma letra que nos fala do sonho de voar e de viajar sem amarras.
Para além do “disco de cordas”, também há quem fale de Phantom Island como o “disco de cocaína 70’s” dos King Gizzard and the Lizard Wizard. E será também isso. Estão lá os arranjos opulentos, a ambição sonora, uma visão conceptual (a viagem pelo espaço). Mas é sobretudo mais um belo disco da banda australiana e a mais recente prova (mas ainda é preciso?!) da extrema criatividade e do talento daquela que é para nós, sem sombra de dúvida, a melhor e mais interessante banda de rock da actualidade.
E bem o sentimos, na última e explosiva passagem dos King Gizzard and the Lizard Wizard por Lisboa.