Fotografia cedida por Léa López
Já se volveu quase uma década desde que João Paulo Nunes Simões se apresentou ao mundo pela primeira vez como simplesmente “JP”, ocupando o palco sem companhia, de guitarra em riste e fazendo da língua de Camões o fio condutor para os seus sambas bem-encarados. Para trás, deixava a banda da juventude, os Belle Chase Hotel, e no passado ficavam arrumadas as cantigas na língua inglesa enfeitadas com instrumentos variados. O ano é 2016 e o assim chamado JP Simões dá um passo atrás e dois para a frente: regressa ao mergulho num dialeto que não é o seu, como já fizera em banda, mas, desta vez, completamente sozinho. E, passado tanto tempo, continua a construir sem ajudas o que tantos tentam fazer sem sucesso: música boa, genuína, sem grandes complexos – e habilmente disfarçada de tarefa fácil.
Foi completamente sozinho, com a exceção da companhia fiel de duas guitarras (uma acústica e uma elétrica) que se apresentou no passado domingo, dia 17 de abril, na mais recém-nascida sala de espetáculos da cidade de Coimbra, o Convento São Francisco. Talvez seja por ser a cidade que o viu crescer, enquanto homem e enquanto músico, que vocalizou com sinceridade a sua esperança no espaço que promete vir a tornar-se a “Gulbenkian de Coimbra”.
E JP Simões continua a crescer. Já não é um menino de cara-lavada misturado entre outros meninos de cara-lavada, partilhando palcos e canções pelo mundo fora. A meia-idade pesa-lhe nos ombros, e, simultaneamente, planta-lhe nas costas asas para levantar voo com a guitarra na mão. Neste concerto, o terceiro de pré-apresentação do novo disco que está quase a chegar, animou o público com meia-dúzia de canções que soaram frescas mas familiares, nunca fugindo ao eterno paradoxo que é a figura de JP Simões: entre músicas, encara a multidão quase nos olhos e as piadas que balbucia na voz grave fazem confundir o nervosismo de miúdo com um à-vontade de velho. Mas quando pousa os dedos na guitarra e a boca no microfone, está muito longe, entregue a si. Leva-nos consigo, embalando-nos em histórias que vão desde narrativas de guerras soviéticas a odes a amigos e estrelas de rock partidas. Tudo parece demasiado simples.
Se, em tempos, com discos como 1970 (2007), Boato (2009) ou Roma (2013), JP Simões lembrava um Chico Buarque aterrado por acaso no centro de Portugal, cantando uma bossa-nova esculpida pela garganta de um português cansado, agora recorda-nos mais que nunca um Nick Drake perdido no século XXI, com a sua voz grossa e rica e cultivando uma habilidade na guitarra sem antecedentes na sua carreira. O retorno à língua inglesa faz com que os poemas lusos se percam pelo caminho: mas a facilidade com a qual se molda a língua de Inglaterra às melodias dá-lhe espaço para criar universos com os dedos, que galopam ao longo do traste com a graça de poucos.
Acabado de tocar cerca de dez canções, muitas ainda sem nome anunciado, JP Simões chegou-se ao microfone para anunciar a última faixa do disco que aí virá e aquela que dá nome ao projeto: “Tremble Like a Flower” é o seu nome, tributo bonito ao recentemente falecido David Bowie (frase retirada do seu single “Let’s Dance”). Depois da emotiva introdução, JP entregou-se novamente às cordas da guitarra, deixando a audiência pasmada com a homenagem que é tanto dele quanto nossa.
Uma ovação entusiástica atirou o músico novamente para o palco, depois de sair uma primeira vez: pegando na guitarra, presenteou a audiência com mais dois temas inéditos, o último dos quais em português, acabando inclusivamente com uma citação musical do próprio Chico Buarque. Depois desta piscadela de olho ao passado, e os com olhos postos no futuro, agradeceu as palmas que encheram a sala e retirou-se pela segunda e última vez. Como a quem não custa nada.
JP Simões passeia por palcos de todo o país há mais de vinte anos e nunca ninguém repara muito nele: move-se pelo mundo da música como um leopardo, discreto, nunca causando grande alarido para si próprio. E, se bem que um novo disco de JP Simões nunca causará a histeria que muitos outros lançamentos arrancam da consciência pública, merece o nosso carinho: até porque, se o concerto no Convento São Francisco, no dia 17 de abril, for indicador de alguma coisa, é que JP Simões cresce, mas nunca muda: e permanece dos poucos por estas terras que consegue manusear com habilidade a arte de fazer parecer fácil aquilo que é certamente tão difícil, transformando para a delícia do público o que é decerto uma máquina bem-oleada numa trivialidade que é bela justamente por nascer daquele momento, sem aparente esforço. Algo a aplaudir.
Fotografias cedidas por Léa López

