Um pouco mais de luz na beleza espectral de uma autora única.
Jessica Pratt é um caso peculiar na cena musical actual. Chega ao seu quarto disco continuando a estar nas margens, a ser um segredo bem guardado e acarinhado por um punhado de fiéis, encantados com este mundo pequeno e grande, profundamente hipnótico e pessoal, que nasce de uma guitarra e uma rapariga mas parece contar toda a verdade lá dentro.
Só demos por ela em 2015, aquando do seu magnífico segundo disco, On your own love again, que encontrou lugar entre os melhores trabalhos desse ano, votados pela nossa redação. Encantou-nos, então, esta folk espectral desestruturada, aparentemente sempre à beira de se desconjuntar mas sem o fazer, uma fragilidade que ecoa a própria vida.
Nunca mais a largámos, e o trabalho seguinte, Quiet signs (2019), voltou a marcar pontos. Esse disco foi, na verdade, o primeiro a ser gravado num estúdio a sério e, cinco anos depois, chega o novo tomo desta história que se vai escrevendo, de mansinho.
Here in the pitch partilha com o anterior alguns elementos. Por um lado, ambos os discos não chegam à meia hora, lembrando os trabalhados também assombrados de Nick Drake, como se não fosse capaz de mais sem colocar em causa a sua própria existência; por outro, também aqui há a presença de trabalho de estúdio mais elaborado do que nos rudimentares princípios das gravações de Pratt.
O que é um alívio é que não estamos perante nenhuma wall of sound nem nada de muito intrusivo. A origem, a trave-mestra de tudo, continua a ser a voz assombrada de Pratt, ao mesmo tempo nova e velha, e o seu dedilhado de guitarra acústica, a soar a pó e a fim de noite. O que temos de novo são alguns efeitos subtis, como ligeiras percussões ou pormenores de teclas e quase imperceptíveis electrónicas, que nunca chegam a reclamar protagonismo. Esse continua guardado para as palavras crítpicas de Pratt e para o eco que enche a sala, quando canta.
Uma das grandes conquistas deste Here in the pitch é esta evolução na continuidade. Um som que se enche de mais detalhes mas que continua, incrivelmente, a soar como se ela estivesse a cantar num quarto na penumbra, e nós mesmo ali ao seu lado. Esse carácter íntimo é, de certa forma, um dos grandes segredos do seu encanto.
Da mesma forma, em termos estritamente musicais, há por aqui salpicos de ingredientes novos. Acordes bossa-novísticos em “Better hate” ou “Get your head out”, uns toques de doo-wop de bolso em “Life is”, as cordas bonitas de “World on a string”, talvez a canção mais “direitinha” que Pratt alguma vez gravou.
À medida que o disco avança, é curioso como alguma luminosidade inicial – e muito bonita – vai dando lugar a uma progressiva escuridão, como se o disco tivesse dois produtores diferentes ou como se o fim de tarde desse lugar à noite, com todos os seus fantasmas. A última faixa, “”The last year”, acaba por libertar a pressão e a claustrofobia dos temas anteriores, mais espectrais, fazendo uma espécie de síntese do disco.
Here in the pitch é mais um triunfo de Jessica Pratt. Uma artista, e uma voz, que ainda não falhou, evoluiu dentro daquilo que é a sua personalidade sem ceder a tentações de corrida para um sucesso qualquer que obliterasse a sua essência. E consegue manter a beleza espectral que os fãs antigos sempre estimaram com uns raios de luz que podem ajudar a que novos entrem pela porta. E lá fiquem.