O nosso apreço por Jane Weaver é crescente. Gostamos dela e das suas múltiplas maneiras de se expressar artisticamente. Hoje, regressámos ao seu passado, a Cherlokalate, álbum muito bom em calorias musicais.
Entrar no mundo de Jane Weaver é sempre surpreendente, algo mágico, como se uma finíssima linha de som fosse capaz de unir música e sonho e vida num piscar de olhos. Lembra tempos e lugares que talvez nunca tenham existido, se bem que em nós, no nosso mais íntimo imaginário, possa muito bem ter havido esse espaço físico e temporal idealizado. As circunstâncias oníricas dos seus discos tornam tudo o que dissemos quase real, quase palpável. E quando estamos a começar a digerir o seu novo álbum (Love In Constant Spectacle, saído pela Fire Records), dar um passo atrás pareceu-nos interessante. Bem atrás, até ao ano de 2007, quando a dois de fevereiro lançou essa belíssima peça sonora chamada Cherlokalate. O disco, em parte, tem uma história tão trágica por detrás que merece a pena conhecê-la, mas que por agora não fará parte destas linhas. No entanto, algum do clima dessa terrível perda acontecida encontra-se aqui, neste universo particular de nome estranho e de sabor intenso, Cherlokalate.
Os primeiros discos de Jane Weaver são bem distintos dos seus mais recentes. A evolução não desmerece o antes e o depois. Em ambos os casos, esses conjuntos bem distintos de álbuns são altamente recomendáveis, embora separados por imaginários (de novo a palavra, é verdade, mas melhor não nos pareceu existir) que sugerem vidas sonoras bem afastadas. Cherlokalate pertence ao primeiro grupo de trabalhos, em que as vivências segredadas dos versos se traduzem em canções tão delicadas que parecem poder partir-se a qualquer instante. Ou derreter-se, como se pequenos flocos de neve não pudessem mais aguentar a chama que os produz. Há em todas as composições de Cherlokalate um lado gélido, soturno, vindo do frio interior da alma, mas que conforta e aquece quando se torna música.
Quando colocamos a rodar Cherlokalate, somos invadidos pela atmosfera sombria e cativante de “It’s Only Pastures”, que dá o tom certo para as faixas seguintes. E nessas, apesar de todas fazerem jus à qualidade de todo o álbum, a verdade é que se destacam “Shoulder Seasons”, feita com o pensamento na tal tragédia há pouco mencionada, mas também “It’s Not Over Yet” e “Oh You Lucky Ones”, todas elas doridas de melancolia, proporcionando um misto de sonho sombrio e denso com pequenos e quase impercetíveis raios de sol, num final de tarde da alma. É provável que nos passem pela cabeça alguns sons que lembram Hope Sandoval e os seus Mazzy Star, ou ainda qualquer outro artista que faça da matéria etérea a sua mais profunda realidade celestial.
Os álbuns de Jane Weaver até The Silver Globe (2014, Finders Keepers) são compostos das mesmas matérias de Cherlokalate. Dito assim, de forma quase grosseira, é com o disco de 2014 que entra em Jane Weaver um determinado número de condimentos que a aproxima mais da indie-pop, deixando para trás o lo-fi (mas não tão lo-fi assim) que encontramos bem representado no disco que agora nos ocupa a escrita. Uma certa vertente krautpassou a comandar-lhe os sonhos melódicos e rítmicos, e a história passou a ser outra. Mas essa é toda uma outra história, de que já contamos aqui um ou outro capítulo, e que nada dela se encontra neste disco de 2007.
Agarre-se a este pedaço de Cherlokalate e verá que não dará o seu tempo por perdido. Pode até acontecer que venha a ser como nós, engrossando a lista dos adoradores das peripécias sonoras que Jane Weaver, distinta inglesa de Liverpool, tem vindo a revelar desde Kill Laura, o seu projeto de início dos anos noventa. Se assim for, deite um ouvido a Love In Constant Spectacle, que é exatamente o que também andamos a fazer.