Ao contrário do que se podia pensar, Medeiros/Lucas não é uma banda brasileira de sertanejo. É um dos grupos portugueses que mais procura ver e (re)criar a música nacional de forma diferente.
A história diz-nos que começaram em 2015, com o nebulado e místico Mar Aberto, o disco de estreia. Se formos mais atrás percebemos que os caminhos de Pedro Lucas e Carlos Medeiros cruzaram-se muito antes, numa altura em que o primeiro ia mexericando com música electrónica e o segundo fazia renascer os sons e as palavras da música insular açoreana, terra que ambos viu nascer. Interesses musicais em comum e uma coragem com cheiro a maresia fizeram-nos juntar dois mundos que à primeira vista não pareceriam compatíveis – o som inorgânico dos sintetizadores com a voz funda da poesia e tradição oral do arquipélago. O resultado, esse tal Mar Aberto, foi um dos melhores discos portugueses do ano que passou. Hoje, em 2016, a corveta Medeiros/Lucas deixou o mar, atracou. Passou a haver Terra do Corpo.
Ao contrário da imediatez de muito do que hoje se ouve por cá, a música de Medeiros/Lucas não encaixa à primeira. Um pouco como alguma literatura (da boa) e de alguma arte (da boa), as canções desta dupla requerem atenção, aprendizagem. Mar Aberto já tinha mostrado isso. Terra do Corpo, é a certeza desta realidade.
O todo que se forma a partir da voz pesada de Carlos, da ecléctica instrumentalização de Pedro e das bonitas letras do escritor João Pedro Porto são um pouco como os lugares de estacionamento apertados – parece que não vai entrar mas quando já lá estamos serve que nem uma luva. Aos poucos, depois de irmos estalando os dedos ao som de “Sede”, de lacrimejarmos um bocadinho com a saudade (a mesma que se ouve mais para o fim, em “Fome de Vento”) de “Sístole Perdida” e de levarmos um banho de sintetizadores com “Transparência”, sente-se que tudo assenta bem.
Sonoridades mais familiares como as da guitarra ou do contrabaixo (tocado por Carlos Barretto. Selma Uamusse, Filho da Mãe, Tó Trips e António Costa são outros dos nomes que participam em Terra do Corpo) entrelaçam-se com o poder destrutivo de uma caixa de ritmos, de uma drum machine, formando um novelo de novo e de velho, de passado e de futuro. A mistura pode parecer estranha, mas não deixem que isso vos afaste daquilo que este grupo faz tão bem. Tenham paciência, oiçam bem e vão ver que serão surpreendidos. Eu fui.