Fibra óptica, Gigabytes e MP4’s. Estamos numa era onde tudo o que nos cruza o caminho, todos os dias, em qualquer sítio onde estejamos, está de uma forma ou outra ligado a um qualquer género de tecnologia. Ela faz o mundo girar e crescer: tornamo-nos mais eficientes, mais próximos e simplifica-nos a vida. Inegável. Mas por entre tanta Bimby e ecrã HD, onde para aquilo que de mais orgânico nos preenche?
No mundo da música, particularizando, temos assistido a um estrondoso “boom” de tudo o que tenha a ver com sonorização/produção digital: Sintetizadores, Auto-Tune entre muitas outras coisas, vão construído a música de amanhã, aos poucos, sem olhar a entraves ou falta de público. A figura do jovem de 16, 17, 18 anos que no quarto ou na garagem de casa dos pais faz autênticas obras-primas com um PC e pouco mais está a ganhar contornos de divindade e, diga-se, muitos deles bem merecem.
Não temos música má (ok, vocês percebem o que eu quero dizer), não se trata disso, simplesmente vai-se esmorecendo aquela base rugosa, cheia de socalcos atabalhoados e cores, cheiros, sensações boas. A música está a perder a sua componente mais orgânica. É simples.
Mas como em tudo, uma ou outra voz marcam sempre posição num cenário que gira à sua volta. Autênticos faróis que nos lembram que o passado não serve só para encher conversas saudosistas ou ganhar pó. O passado é aquilo que nos liga ao que realmente somos, e no mundo da música, o português Rui Carvalho, mais conhecido como Filho da Mãe, têm conseguido relembrar-nos da beleza das coisas simples.
Palácio, o seu primeiro (e único, até agora) álbum de originais, chegou às prateleiras em Junho de 2011, e trouxe com ele aquele cheiro a madeira antiga característico das casas de família dos avós ou dos tios mais velhotes. Armado com uma guitarra clássica, um pelotão de pedaleiras e, claro, uma boa cerveja fresquinha, Filho da Mãe mostrou-nos que ainda é possível ficarmos de “barriga cheia” com um álbum despido de peneiras e inteiramente instrumental. Temos ao longo do disco um desenrolar hipnotizante, sôfrego por vezes, de dedilhares precisos e rapidíssimos, que nos transportam para um mundo calmo, onde podemos só ficar a ver a noite a passar.
Nota-se claramente uma vasta influência de variadíssimos géneros de música, todos eles sempre com a guitarra em grande plano: do flamenco ao fado vamos numa viagem maravilhosa por entre sonoridades que já não nos lembramos bem. É completamente diferente de tudo o que se ouve hoje.
É certo que as pedaleiras e outros truques com que o Rui brinda as suas plateias, nomeadamente a já clássica coreografia do final de “Helena Aquática”, têm o seu quê de tecnologia, mas aquilo que nos trouxe onde estamos agora, aquilo que esteve na origem de tudo, é de tal maneira forte que nos envolve num constante saltar de emoções que acompanham os alucinantes trocares de notas e acordes que os seus dedos mágicos criam. “Não Sei Desenhar Barcos” e a já referida “Helena Aquática”, são os exemplos perfeitos da força que uma corda esticada, acariciada por dedos que sabem o que fazem, pode ter.
Não acho que devamos trancar o computador e começar a comer com as mãos, nada disso, mas às vezes sabem bem sairmos de casa e sentarmo-nos num banco de jardim a observar um belíssimo Palácio enquanto o fim-de-tarde começar a fechar mais um dia que passou.