Conheci a música de Jeremy Jay através deste Airwalker, o EP de estreia do artista. Nada sabia dele até ao momento em que reparei numa cover de “Angels On The Balcony”, e fiquei curioso. Convém dizer que a referida canção é, na minha opinião, uma das mais belas composições que os Blondie produziram em toda a sua história, parte integrante de Autoamerican, esse trabalho tantas vezes injustiçado pela crítica, e que é uma espécie de Sgt. Pepper’s do grupo de Debbie Harry e Chris Stein. O resultado dessa audição deixou-me com água na boca, e a sede de ouvir mais serenou com a totalidade das 5 canções do disco (enfim, uma nem sequer merece a designação de canção, uma vez que tem apenas 40 segundos, e serve mais como forma de introdução da seguinte, não deixando dúvidas sobre o feeling de todo o EP). Na verdade, e depois de ouvido com a atenção que costumo dar quando me entusiasmo por qualquer coisa que julgo ser tão interessante que pode ficar para a vida, a vontade de conhecer melhor o artista de Los Angeles não me largou até hoje, e estive quase para esticar um pouco mais este artigo, introduzindo-lhe comentários e apreciações críticas sobre todos os trabalhos entretanto lançados por Jeremy Jay, coisa que acabei por deixar de parte, dando razão à expressão popular que diz não haver amor como o primeiro. Não que os restantes discos desmereçam este Airwalker, antes pelo contrário, mas cada coisa em seu tempo, que é para nos entendermos melhor e irmos pisando terreno mais firme.
Airwalker (K Records, 2007), com os seus ínfimos 16 minutos e 20 segundos de eternidade – as metáforas são, muitas vezes, exercícios intencionais de atribuição de predicados mais ou menos velados – , começa com “Lampost Scene”, e aqueles dedos que estalam a um só ritmo seguindo a poderosa linha de baixo ao encontro das palavras faladas / cantadas por Jeremy Jay, são argumentos suficientes para meterem qualquer ouvinte em sentido. Depois vem “Airwalker” e tudo começa a clarificar-se: um estilo meio retrô, uma melodia insidiosa que se cola à cabeça, palavras cantadas que nos dizem “What’s in the air when you’re walking on air?/ Where can we go when the lights are low?” em forma de perguntas sem respostas, e uma imensa felicidade começa a espalhar-se pelo corpo, ao ponto de sabermos estar a ouvir qualquer coisa especial. A terceira faixa do disco dá pelo nome de “We Stay Here (In Our Secret World)”, e aqui é o piano que deixa a sua marca (subindo e descendo, subindo e descendo), interrompido por riffs de guitarra que soam tão bem, tão out of this time… A primeira cover de Airwalker é uma dupla agradável surpresa, não apenas por ser feita a partir de uma canção menos conhecida dos Siouxie and The Banshees, mas sobretudo por lhe acrescentar um toque mais dançável, digamos assim, embora sem grande exuberância rítmica, elevando-a a um patamar algo distante do ambiente sombrio original. Trata-se de “Lunar Camel”, canção do disco Kaleidoscope, lançado em 1980. Segue-se “Angels On The Balcony”, canção que Laura Davis e Jimmy Destri (o homem das teclas dos meus adorados Blondie) fizeram para o já referido Autoamerican, e que foi (a canção, entenda-se) o início de tudo isto, como comecei por referir no início destas linhas. É muito bonita, esta versão. Mais relax, mais cool, mais made for the moment do que a original, reforçando a ideia de que Jeremy Jay gosta de introduzir momentos mais falados do que cantados em certas alturas dos seus discos, fazendo dele um crooner muito especial. O EP termina com “Can We Dissapear?” (aquelas linhas iniciais de piano são de outro mundo, meu Deus!), como se Jeremy Jay nos pedisse autorização (que eu nunca daria, note-se) para se ir embora. Mas vai, é isso mesmo que acontece, vai envolto em sombras, em nevoeiro, a fazer lembrar um final de filme noir, território imagético onde é fácil colocá-lo, aliás. Para além destas referências que transcendem o mundo das canções, outra se anuncia, embora esta já virada de novo para a música: há tanto de Morrissey aqui, na forma quase diletante como passeia a voz! Mais uma boa surpresa, a terminar o disco.
Sobre Jeremy Jay voltarei à carga noutras alturas, talvez lá para o final do ano, quando se prevê que lance Abandoned Apartments, a 12 de novembro. Até essa data, o conselho que vos deixo é que ouçam Airwalker como ponto de partida para conhecerem, mais tarde, discos como A Place Where We Could Go, Slow Dance, Splash ou Dream Diary, por exemplo. Sei que não se vão arrepender.