É preciso ter tomates para se conseguir ficar nu à frente de alguém. Em modo “pelota total”, deixando sair tudo o que esteja minimamente relacionado com o nosso ego (tantas vezes gravemente inflamado) e com a necessidade muito grande que temos de não nos sentirmos sozinhos. Num planeta de poses e comportamentos, pouco ou quase nenhum espaço existe para dar a conhecer todas as caganitas de fragilidade e insegurança que só à noite, na cama antes de adormecer, nos apercebemos que enchem grande parte dos nossos refegos. Um cigarro aceso não tem de ser uma fonte de confiança momentânea, um copo na mão não precisa de ser uma afirmação de identidade e uma boca ou piadola talvez não seja a melhor maneira de disfarçar que na realidade não somos assim tão bons, tão fortes, tão bonitos ou tão confiantes como queremos dar ideia que somos. Nada é assim tão simples ou instantâneo. Admitir coisas deste género não é fácil. As conversas que tantas vezes temos connosco próprios custam mais quando nos saem por entre os lábios, sibilando por entre a cremalheira semicerrada de embaraço. Chegar ao ponto onde tudo isso, essa espécie de confissão ou o que quer que queiram chamar, é vomitado sem censuras pode muito bem ser o marco a partir do qual podemos admitir que sim, temos umas bolas douradas, dignas de serem levantadas num pódio pelo Cristiano Ronaldo.
Joshua Tillman pode não perceber a referência ao português tri-bola de ouro, mas no que toca a compreender o que é sentir que o mundo inteiro nos entra pela casa a dentro, isso sabe perfeitamente o que é, não fosse I Love You, Honeybear um santo graal de transparência emocional, em que, findados 45 minutos de folk florido, recebemos um livro de instruções sobre como se deve viver o amor. Não é o convencional nem o hollywoodesco. É um mais simples, sólido, onde não há problema em se admitir que lá no fundo (entre o sítio que nos faz gostar de bola e o que nos faz gostar de cerveja), nós, homens, temos muito de criançola narcisista, de ego frágil e alma insegura. Aqui nada disso faz mal – o amor que se fala em “I Love You, Honeybear” (a primeira música do disco) ou em “When You’re Smiling Astride Me”, por exemplo, não quer saber disso para nada. Ou melhor, sabe disso muito bem mas percebe que isso não define, enfeita. O conceito meio clichê de que “quem gosta a sério, gosta tal e qual como somos” é então a premissa principal deste segundo álbum de originais do ex-baterista dos mitícos Fleet Foxes.
“Mas espera lá, isto não era suposto ter alguma coisa a ver com o facto de todos termos um pouco de cagões?” – correcto. Descobrir “a nossa pessoa” está infimamente ligado com isto que provavelmente podem já ter pensado. Mas tudo a seu tempo.
O paizinho John Misty apresenta-se melhor que nunca, maturo mas sempre com um cheirinho de arrogante palerma – não fosse esse o fator responsável por grande parte do seu carisma. Fear Fun, o seu primeiro álbum como FJM, foi uma excelente rodela, mas agora que esta segunda chegou, percebemos que muita coisa mudou entre os três anos que passaram desde o lançamento de um e do outro, mas uma marcou mais que todas as outras – o casamento. Depois de um primeiro registo mais difuso, onde se disparava por todos os lados emoções soltas de quem andava meio perdido, I Love You Honeybear é um trabalho mais coerente, concentrado, onde este confuso man-child descobre o que realmente é importante. Num registo instrumental de forte influência folk, rock, americana e mel “a la Beatles”, arranjos complicados, cheios de pormenores – sob a forma de cordas, bateria ou teclados, por exemplo -, vão se alternando por baladas mais simples, como se ouve em “Bored In The USA” (bonito piano) ou em “I Went To The Store One Day” (um monumento). Mas o som, que não peca por calor aconchegante, nem é o principal.
“There’s no need to fear me / Darling, I love you as you are when you’re alone / I’ll never try to change you / As if I could, and if I were to, what’s the part that I’d miss most?” são as palavras que marcam o início de “When You’re Walking Astride Me”. Letras como estas pintam de cor-de-rosa todo o disco. Não são complicadas nem altamente poéticas mas traduzem a coerência cristalina de quem sabe o que quer dizer. Cada música conta uma história, todas elas muito pessoais, e cada história é um desabafo de quem finalmente descobriu de quem gosta, percebeu as melhores formas de o mostrar, sabe que o que quer é para sempre e que não tem medo de mostrar que não é perfeito – muito pelo contrário.
FJM descobriu que não faz mal mostrar o que o apoquenta quando está longe (“Nothing Good Ever Happens At The Gooddamn Thirsty Crow”), que é na boa admitir que a nossa vida está feita num caco de vícios, inseguranças e outras coisas menos boas e poluentes. Quando se gosta a sério, gosta-se de tudo: está confirmado o tal clichê manhoso, se bem que num formato que de manhoso não tem nada.
Reunidas neste disco estão todas as lições que quem ama no século XXI precisa de saber. Divididas por 11 músicas, cada uma delas deixa-nos ver, no final, que gostar não precisa de ser uma coisa má, que ainda há beleza nos sentimentos que se partilham com alguém de quem se gosta. Que há sempre tempo (ou esperança, como queiram) para encontrar a/o nossa/o Honeybear.