É tido como um dos melhores discos de sempre da música brasileira, casa da melhor das versões de “Águas de Março”, a música que Elis & Tom eternizaram.
Um salto de paraquedas, um mergulho com tubarões ou uma refeição num restaurante com insetos
como ementa. Há presentes que, por melhores que sejam as intenções que destapam, não queremos
aceitar. Com medo, resistimos, podemos até pedir o talão de troca, perguntar por alternativas ou tentar
saber se alguém ao lado não nos quer tomar o lugar. Já aconteceu a todos. Aconteceu, também, a Elis
Regina quando a Phillips lhe ofereceu a possibilidade de gravar com Tom Jobim. Celebravam-se os dez
anos da união entre cantora e editora e, por lá, alguém pressentia o que todos, passado quase meio
século da edição, já ouvimos: Elis & Tom, assim se chama o disco, é uma mistura tão natural como inigualável.
Foi entre 22 de fevereiro e 9 de março que Elis e Tom se juntaram nos estúdios MGM, em Los Angeles.
Com arranjos de César Camargo Mariano, à época marido de Elis, Aloísio de Oliveira no papel de
produtor, Hélio Delmiro e Óscar Castro-Neves a partilhar a responsabilidade da guitarra, Luizão Maia no
baixo e Paulinho Braga à bateria, em estúdio juntar-se-iam ainda Roberto de Oliveira, empresário da
cantora, um sexteto de cordas e um quarteto de instrumentos de sopro. Jobim acabaria a tocar piano
em oito músicas, guitarra noutras duas, mas só depois de Elis Regina aprender a lidar com a
responsabilidade que o nome do parceiro de dueto acarretava.
Com instrumentos elétricos e orquestra à mistura, então uma novidade entre músicos de Bossa Nova, o
feitio irascível de Jobim e as inseguranças de Elis, não foi fácil o arranque para a gravação do que hoje é tido como um dos melhores discos da MPB. Quem mandava, quem ditava o tom a dar aos temas escolhidos, quem cantava, quem tocava, quem tinha direito a lugar no estúdio, nos primeiros dias de gravação tudo foi discutido. Elis ligou para o Brasil a pedir para voltar para casa, no final, reza a lenda, Jobim choraria ao ouvir o resultado. Não é caso para menos.
No arranque, ouvem-se Elis e Jobim, quase em registo conversa, com direito a risos e assobios, a cantar
a melhor das versões de “Águas de Março”, uma gravação tão genuína que as imagens do take utilizado acabaram convertidas em teledisco. E se assim foi no maior dos sucessos do disco, pouco mudaria nas restantes 13 faixas, quase todas gravadas em takes únicos com pouco ou nenhum recurso a truques de edição.
Em 1974, Jobim era visto ao longe, génio inalcançável pelos comuns mortais, Elis procurava público e o
estatuto que alguns sabiam a voz lhe traria, mais cedo que tarde. Elis & Tom tudo mudou. Jobim chegou às massas, Elis fez-se estrela e o disco eterno. Segundo a Billboard, é um dos álbuns brasileiros mais vendidos de sempre – os preços dos bons exemplares em vinil não enganam – e mesmo nas plataformas de streaming a sua presença é inegável: nas cinco músicas mais ouvidas de Tom Jobim estão duas das das 13 faixas (“Águas de Março”, “Só tinha de ser com você”), três no caso de Elis que também tem “Triste” no seu top.
Poupe-se nos elogios, nos adjetivos superlativos, ouça-se o disco e tudo se tornará evidente até para os mais moucos. Guarde-se a lição, às vezes, os presentes que recebemos mais renitentes revelam-se
mesmo os melhores. Alguém que se tenha esquecido do primeiro salto de um avião? E de uma sobremesa com gafanhotos cobertos de chocolate? Na Finlândia gostam, mas arrisco que gostarão mais
de ouvir Elis & Tom.