Os portugueses Elektra Zagreb gostam de nos confundir. Têm nome de quem faz música cigana de leste (o que o Bregovic e o Kusturika dariam para adquirir os direitos sobre esse nome) mas não tem nada a ver: é pop anglo-saxónico da cabeça aos pés. Depois segue-se o nome do álbum de estreia, Dreams About Dying in Californa, que nos sugere de imediato um som americano com cowboys no deserto a tocarem slide guitar com garrafas de coca-cola. Pista falsa outra vez: os Zagreb são tão britânicos na sua sonoridade que os Blur ao pé deles parecem uma banda de folclore minhoto. A única concessão que fazem ao outro lado do Atlântico – uma paixão indisfarçável pelos Pixies (e.g., “Sweet Factory”)– não nos contradiz: a banda de Boston sempre foi mais amada na velha Europa do que em sua própria casa.
Desmontadas as estratégias de diversão, podemos ver agora as coisas com maior clareza. O primeiro LP dos Zagreb é um verdadeiro manual de bom gosto pop, com melodias elegantes e certeiras que nos ficam nos ouvidos, refrões eficazes como murros no estômago, e tudo isto com as tais notas musicais cheias de sotaque londrino: o vocalista a piscar o olho ao Brett Anderson dos Suede e ao Gaz Coomes dos Supergrass (numa proporção de dois Brett Anderson para um Gaz Coomes), o punk 1977 meio Clash, meio Buzzcocks (e.g., “Spit blood Hooligans of love”), a pop despenteada dos Libertines (e.g., “Nympho Boyz”), o glam dos Suede (e.g., “Kesey Palms”) e a pop-mãe-de-toda-a-pop dos Beatles (escutem aquele órgão vintage do “Sweet Factory”).
As primeiras canções são mais sóbrias, pouco dadas ao consumo de alucinogéneos (excepto a canção de abertura, “SoOOoo”, em que uma voz distorcida e monstruosa – embrulhada nuns acordes tristes à Radiohead e numa slide guitar à Pink Floyd – parece lamentar toda a tristeza que aconteceu e acontecerá à humanidade). As últimas canções (o lado B, houvera o disco em vinyl) têm um travo mais psicadélico, lembrando um pouco as deambulações mais tripadas dos Stone Roses. A nostálgica “Summer is coming” encerra o álbum com uma progressão de acordes lindíssima, que nos relembra que a harmonia é um valor tão ou mais importante do que a melodia.
É difícil apontar algum defeito ao álbum. A produção crua, por exemplo, longe de ser criticável, traz pelo contrário um encanto lo-fi que só favorece o disco. Os mais cínicos insistiriam. Alegariam que os Zagreb são vítimas do seu bom gosto, ficando a sua identidade soterrada por debaixo das diversas camadas de citações e referências, por mais irrepreensíveis que elas sejam. Essa posição é discutível. A Pop com letra maiúscula nunca é uma aventura isolada, é sempre uma construção colectiva em que os melhores se apoiam sempre nos ombros dos gigantes que o precederam. Os gigantes de amanhã.