Há que reconhecer que um trio como este – Gismonti, Haden e Garbarek – só pode produzir coisas boas e surpreendentes. Folk Songs é a prova disso mesmo. Quando nos metemos com os grandes, saímos sempre vitoriosos.
Conheço Folk Songs há quase vinte anos. Durante essas duas décadas, muitas foram as vezes em que me sentei, quase sempre de olhos fechados e em absoluto silêncio (ter a cabeça limpa para a preencher de coisas boas é fundamental quando se trata de audições mais exigentes) para escutar os seis temas integrantes desse disco de 1981. Em todas essas escutas, duas ou três ideias sempre se fizeram presentes na minha cabeça: qualquer um destes músicos / instrumentistas é capaz de criar as mais bonitas, elegantes e fascinantes composições à face da terra. No entanto, o que de mais surpreendente sobressai de tudo isso, é fazerem-nas com uma (aparente) simplicidade totalmente desarmante, como se estivessem apenas a respirar… E se, por força das palavras lidas, vos parecer haver aqui lirismo crítico bastante para gerar algumas desconfianças em relação ao disco em questão, então deixem-se levar por elas (pelas palavras) e sigam-me por mais dois ou três parágrafos. Depois, quando terminarem a leitura destas linhas, avancem para a audição do disco, acrescentando-vos desde já a mais que provável garantia de poderem vir a partilhar comigo o mesmo gosto que tenho por Folk Songs.
Atrevo-me a sugerir um outro e mais preciso título a este trabalho. Blue Songs, em vez de Folk Songs, seria, na minha opinião, uma designação mais consentânea com o que nele se ouve. Os seus ambientes atmosféricos (ricos, intensos, inebriantes) levam-me a pensar que Blue Songs serviria melhor o conceito do álbum, sobretudo por haver em Folk Songs (há que respeitar o título original, como é bom de ver) uma serena melancolia que combina melhor com a profunda tristeza que o título inventado sugeriria. De qualquer das formas, Folk Songs não é apenas um álbum apontado aos nossos mais imediatos e prementes sentidos e sentimentos. É também um desafiante percurso cerebral, digamos assim, sobretudo por nos colocar em permanência diante de problemas (sonoros), cujas soluções (igualmente sonoras) nos vão surgindo à nossa frente, desnovelando-se de forma tão límpida e transparente, que há inevitavelmente um prazer intelectual na audição dos temas que fazem parte do álbum de Gismonti, Haden e Garbarek.
“Folk Song”, tema tradicional, mas sobretudo “Bodas de Prata”, “Cego Aderaldo” e “Equilibrista” (todos de Gismonti), e os restantes “Veien” (Garbarek) e “For Turiya” (Haden) são peças de elevadíssimo calibre musical, capazes todas elas de arrancar sorrisos profundos aos lábios mais renitentes. Esses sorrisos, como é óbvio, são o resultado de todo o processo criativo dos artistas em causa que, por uma espécie de feitiço, continua em nós, que entra e passa por nós para lhes acrescentarmos variações que muito provavelmente só serão entendidas por cada par dos nossos ouvidos, mas que nos garantem prazeres indizíveis e duradouros. Por isso vivo com Folk Songs há já tanto tempo… E ainda bem que assim é.
Se estiverem todos de acordo comigo após a audição do disco que aqui vos deixo hoje, então terá bem valido o esforço deste pequeno texto, escrito ao som dos quarenta e cinco minutos de Folk Songs. E assim, curiosamente, poderei terminar acrescentando apenas o seguinte: é bem verdade que quase duas décadas não podem caber em três quartos de hora, mas a sensação que tenho agora é que, no tempo breve da escrita destas linhas, foi-me possível reviver quase vinte anos de boas e variadas memórias, escutando o baixo de Charlie Haden, o saxofone de Jan Garbarek e as guitarras de Egberto Gismonti, até porque há vida em Folk Songs, muita vida mesmo, e não há como resistir aos seus particulares encantamentos.