Hiding in Plain Sight é um verdadeiro álbum pop que, desavergonhadamente, rouba influências ao yacht rock dos late 60 ’s e de toda a década de 70 ’. Deste modo, do início ao fim, o álbum é uma brisa musical que refresca os sentidos de quem o escuta.
Ouvir música é fácil; fazê-la é bem mais difícil. Quase sempre, ignoramos os obstáculos, pessoais ou profissionais, contra os quais os nossos músicos preferidos chocam. É justo: no trabalho, cada um tem os seus próprios problemas. (Os artistas que tanto escutamos também não pensam em nós.) Ainda assim, dá que pensar o facto de que determinados trabalhos, que nos enchem verdadeiramente as medidas (dos ouvidos…), terem estado perto de não existir, pelo facto de os seus intérpretes não se terem sentido confortáveis com o seu talento musical.

O mais recente álbum do conjunto Drugdealer, Hiding in Plain Sight, esteve para não existir. Entre o lançamento do bem recebido Raw Honey (2019) e o início e fim da pandemia, o vocalista, Michael Collins, deixou de acreditar nas suas capacidades vocais. Não que tivesse perdido a vontade de fazer música… Mas ficou tentado a oferecer o microfone aos outros, nomeadamente a Weyes Blood, com quem colabora desde 2016, aquando do lançamento do primeiro LP, The End Of Comedy. (Será este o problema de trabalhar com as grandes vozes?)
Não fosse Michael Collins a encontrar-se com a produtora Annette Peacock e o projeto Drugdealer estaria, não extinto, mas certamente distinto. Durante um festival organizado pela label Mexican Summer, que acabaria, mais uma vez, por fechar um disco do grupo, Collins levou, não literalmente, na cabeça de Peacock, que o aconselhou simplesmente a cantar mais alto. Conselhos simples dados por quem sabe, assumiria, mais tarde, Collins, que admitiria ter passado por um curto período de tempo em que considerou apostar numa carreira em filmmaking, pondo a música em segundo plano.
O cinema teria de ficar para mais tarde. Assim, Collins prometeu a si mesmo começar a cantar mais alto e o resultado é bem audível. Hiding in Plain Sight pode ser o melhor trabalho de Drugdealer até à data: apresenta as virtudes dos dois primeiros LP ‘s, sendo analógico, cool e groovy, e mostra-se mais organizado, na medida em que cada faixa (são 9 no total) está no sítio certo e tem o comprimento ideal. Tanto The End Of Comedy, como Raw Honey, são dois álbuns mais ácidos e compostos por temas mais psicadélicos. Hiding in Plain Sight é um verdadeiro álbum pop que, desavergonhadamente, rouba influências ao yacht rock dos late 60’s e de toda a década de 70’. Deste modo, do início ao fim, o álbum é uma brisa musical que refresca os sentidos de quem o escuta.

O amor é o tema central em Hiding In Plain Sight, diz-nos Collins. Os dois primeiros temas, o single “Madison” (que soa a medicine, porque o amor é um remédio) e “Baby”, referem-se à busca, talvez platónica, da pessoa perfeita. Em “Madison”, Collins parece aproximar-se de Van Morrison; em “Baby”, a ideia passou por montar uma canção que pudesse ter sido interpretada por um grupo sock hop que nunca tivesse experimentado drogas na vida, isto de acordo com Collins — conseguiram-no. Em “Someone To Love”, o início é prometedor: uma sucessão de notas sensuais de baixo e bateria preparam a chegada vocal do vocalista, que chega acompanhado por um coro angelical, representativo da West Coast, e um conjunto de instrumentos de sopro que espalham suspiros no interior dos nossos ouvidos.
Um dos melhores momentos de Hiding in Plain Sight acontece em “Pictures Of You”, que é, sem dúvida, um dos grandes temas da produção. Desta vez, o canto ficou a cargo da doce e hipnótica Kate Bollinger, cuja voz se confunde com guitarradas mais líquidas do que o Oceano Pacífico. (Por alguma razão, à data em que escrevo este texto, “Pictures Of You” é a canção mais escutada do álbum, a seguir a “Madison”.)
No interior de Hiding in Plain Sight, vive uma proeza bastante rara. O quinto tema do registo, “New Fascination”, idealizado, montado e interpretado no século XXI, parece ter sido furtado a Donald Fagen e Walter Becker. Nem todos conseguem fazer música que se assemelhe ao reportório de Steely Dan; trata-se de um feito que está ao alcance apenas dos músicos que vivem com um pé nos anos 70’, como Michael Collins, que, nesta faixa, pegou no microfone com uma confiança de campeão, própria de quem aprendeu a tocar saxofone, tocou o que lhe apeteceu, bebeu scotch a noite inteira, e morreu atrás do volante.
O refrão do tema que se segue, “Valentine”, é novamente elétrico, não fosse esta mais uma canção de amor. Nesta fase, já nos deixámos vencer por Drugdealer; queremos apenas absorver toda a música que foge da guitarra dourada e da voz refrescante de Michael Collins, cuja confiança a cantar é viciante. Depois, vem “To Live and Drive In LA”, um tema instrumental que prova que Hiding in Plain Sight é um trabalho que deve ser ouvido na estrada, à medida que queimamos os pneus do carro.
A penúltima canção do projeto chama-se “Hard Dreaming Man”. É neste período do álbum que Collins demonstra a sua aptidão para escrever letras, deixando bem claro que o que o move são as histórias. Nesta canção, o assunto continua a ser o amor, mas é um tipo de amor diferente: é o que existe entre o Homem e tudo o que o rodeia. De uma forma algo imprevisível, o álbum termina com um registo próximo de sonoridades downtempo. Em “Posse Cut”, estamos definitivamente longe da década de 70’, mas o groove não desaparece. À primeira audição, o tema parece afastar-se do caminho traçado pelas músicas anteriores, contudo, à medida que escutamos e escutamos Hiding in Plain Sight, “Posse Cut” torna-se numa das canções mais fortes, representando um ponto final bem soulful no terceiro trabalho de Drugdealer.
Hiding in Plain Sight, não só é um dos melhores álbuns do ano, como é o álbum perfeito para ouvir vezes sem conta no verão de 1978.