Os rebeldes não são aqueles que insinuam que o fazem, mas os que dizem que o fazem. No ano do Verão do Amor, todos o faziam: eles com elas, elas com eles, eles com eles ou elas com elas, às claras ou num cantinho qualquer. A droga era uma experiência partilhada por todos, embora poucos tivessem a coragem de escrevê-lo, de descrevê-lo e, por fim, cantá-lo, tintim por tintim.
Os The Doors eram rebeldes e corajosos, e o álbum de estreia em nome próprio, de 1967, dizia tudo logo na primeira canção: “Break on Through”, quando, às tantas, o misterioso e carismático Jim Morrisson berrava “She Get’s High” – esta última palavrinha viria a ser retirada porque, enfim, estimular o consumo de químicos não era bem visto. Tivessem-no feito como os malandros dos The Beatles, que nesse ano lançaram o Sgt. Peppers Lonely Heart’s Club Band onde se incluía a “Lucy In The Sky With Diamonds”, e a coisa teria passado despercebida – McCartney, numa entrevista posterior, confessaria que o Sgt. Peppers foi um «álbum de droga». Mas os The Doors não queriam passar despercebidos e, mesmo que o quisessem, não o conseguiriam – quando se tem um vocalista com alma de poeta, físico de deus grego e vícios profundamente humanos, a humildade não faz parte do caderno de encargos.
Portanto, ali estavam os The Doors naquele que, para mim, é o seu melhor álbum – por ser o primeiro. O estilo barroco e psicadélico, pincelado e ritmado pelas teclas do orgão de Ray Manzarek, como se Bach tivesse tomado ácidos, rasgou com aquilo que se fazia antes. Havia ali substância e encenação, realidade e ficção, sexo e drogas, trocadilhos (“Twentieth Century Fox”), misturados num cocktail explosivo que nos faz viajar do arranque (“Break on Through”) ao fim (“The End”), as duas melhores – e também mais icónicas – músicas do álbum.
Há outras, obviamente, como a versão extraordinária da “Alabama Song” (original de Kurt Weil e Brecht) e a lendária “Light My Fire”, cujo início rendilhado, rococó e tecnicista, faz-nos perceber que ali havia mais do que uns tipos vitaminados – havia músicos, e dos bons. E foi isso que os elevou do estatuto de banda de culto ao mainstream e do mainstream à categoria de lenda.