Dan Bejar atira-nos um disco desconcertante, mas que pouca gente ouvirá para lá de quatro audições.
Corria o ano de 2011 quando me deixei encantar por Dan Bejar. Kaputt continua a ser um dos meus discos preferidos de todo o sempre (um dia terei de refazer a crítica ao disco, pobre e mal-amanhada). De lá para cá, fui sempre acompanhando a obra do senhor, sendo este o sexto disco de Destroyer que escrevo para o Altamont. Como podem imaginar, sinto já ter gasto praticamente todo o meu latim, e se ainda não conhecem ou não lhe ligam, problema é vosso, meus queridos.
Posto este preâmbulo, vamos ao boogie do Dan?
Longe do refinamento melancólico de Kaputt (2011) ou da atmosfera sombria e minimalista de Have We Met (2020), este novo trabalho aposta numa sonoridade mais crua, direta e por vezes quase punk — sem perder o lirismo e o sarcasmo típicos de Bejar. Os vocais continuam inconfundíveis: aquela dicção quase falada, entre o blasé e o profético, que transforma frases enigmáticas em epígrafes involuntárias. Podia-se tentar decifrar mil significados por trás de cada verso que Bejar cria e, ainda assim, não apanhar o que está para ali a dizer.
Com uma estética mais abrasiva e dançante, Dan’s Boogie abraça essa tendência com mais liberdade e menos preocupação em agradar. Ouça-se “Hydroplaining Off the Edge of the World”, onde de repente aparece um solo de guitarra vindo do nada, ou o término abrupto de “I Materialize” para se aceitar que Destroyer é imprevisibilidade. Há sempre algo de teatral e autoirónico em cada faixa, como se Bejar estivesse a zombar da ideia de coesão estética — mas sem perder o controle do que está a fazer.
E depois temos “Cataract Time”, uma música onde essa beleza, essa obsessão pela beleza, é mais aparente. Quando questionado numa entrevista ao Vulture, Bejar explicou a canção como uma espécie de rutura: “É este momento de ajuste de contas”, disse, “em que se percebe que o mundo está partido”. A sensação é quase insuportavelmente íntima, mas overwhelming.
Dan’s Boogie é um disco que se move de forma errática, desajeitada, mas firme — como alguém a dançar sozinho no fim da festa. E é exatamente aí que ele encontra a sua força: na recusa de ser previsível, na entrega ao ridículo e ao sublime.