Qualquer pessoa que o conhece sabe que mudança é o nome do meio de David Robert Jones. Começando logo cedo, pela mudança de cor de um dos olhos numa pequena luta de miúdos, passando pela mudança de nome com o aparecimento de “Bowie” no mesmo e continuando por aí fora na sua longa carreira musical sobejamente conhecida.
Assim, 1971 foi ano de, não fugindo à regra, mudança. Em vários aspectos, já que a meio do ano foi pai pela primeira vez, o que (quem já o foi sabe, quem ainda não o foi imagina) é uma das grandes mudanças na vida de um homem. Para atacar um novo disco decidiu-se por mais uma mudança – chutar para canto o baixista e produtor dos seus anteriores álbuns Tony Visconti, promovendo Ken Scott (um dos engenheiros do anterior The Man Who Sold the World) e chamando para a banda Trevor Bolder. Estava em curso uma das mais importantes mudanças da História da música, já que ficou assim formada a banda de Ziggy Stardust. Por fim, nada como começar um álbum com uma música chamada “Changes” para corroborar tudo aquilo que escrevi acima.
Uma coisa é certa – tal como muitas vezes na carreira de Bowie, os ingleses em particular e o mundo em geral ainda não estava preparado para tanta mudança. Ainda agora se tinha chegado à Lua e já havia quem se questionasse se haveria vida em Marte? Quem é esse tal de Andy Warhol? E como se atreve a conjugar profanamente sua majestade com a palavra bitch? Bowie conseguiu ter bons reviews da crítica especializada, mas claramente não foi um álbum que chegou às massas. Ou pelo menos não per se, já que depois da loucura de Ziggy também este álbum beneficiou de aceitação por arrastamento.
E, há que dizê-lo, merecidamente, já que, sendo bastante dificil dizer qual o melhor álbum de Bowie, posso aqui assumir que este é o meu favorito. A música “Changes” marcou os meus anos 2011 e 2012, anos de (sim, é fácil adivinhar) grandes mudanças na minha vida pessoal e profissional, ouvi-a recorrentemente (numa playlist que fiz sobre esse tema e que partilharei futuramente). Um prazer do início ao fim, piano, saxofone e uma letra irrepreensível sobretudo sobre o generation gap existente na altura entre os adultos e os jovens. Piano volta a aparecer em grande estilo para a seguinte “Oh You Pretty Things!” que se segue. Um pouco mais à frente a estrondosa “Life on Mars?” de letra surreal, a fazer lembrar um quadro de Salvador Dali sonorizado. “Kooks” sobre a qual já vos escrevi aqui, canção de amor paternal é uma pequena maravilha. “Quicksand” em modo guitarra acústica e voz, carregada pela força de um potencial Super-Homem bem servido por Nietzsche “I’m not a prophet / or a stone age man / Just a mortal / with the potential of a superman”. E saltamos então para a trilogia de homenagens, a personagens vitais na criação da persona David Bowie – Andy Warhol, Bob Dylan e Lou Reed. Todos distintos mas interligados, pesos pesados de transformação e inovação que introduziram na evolução da História da música e aos quais Bowie se juntou (ou suplantou?). Fechamos com “The Bewlay Brothers”, balada densa, de ouvir com olhos fechados.
Hunky Dory é portanto álbum para se ouvir vezes sem conta. Não cansa, antes pelo contrário permite sempre a descoberta de coisas novas a cada audição. Saboroso até ao fim.