Por vezes acontece, e no presente caso essa ideia confirma-se: a capa de um disco diz muito sobre o seu interior. Não é apenas a tonalidade marcante da imagem, os sombreados nostálgicos, mas também, e sobretudo, a postura curva de Albarn que parece levar às costas todo o peso do mundo.
No conjunto, a imagem clean e minimalista de Everyday Robots é, em si mesma, uma mensagem óbvia. Damon Albarn a um canto, sentado num banco introspetivo, e o vazio do espaço circundante não deixam margem para grandes dúvidas. Este é um trabalho mais melancólico, sem grandes exaltações rítmicas, muito menos experimental do que aquele que foi a sua primeira tentativa de gravar em nome próprio (Democrazy é mais uma brincadeira do que um disco para ser levado a sério), e mais mainstream do que o interessantíssimo Dr. Dee, de 2012. É ainda evidente que em Everyday Robots há espaço para a criatividade pessoalíssima de Damon Albarn, que como bem sabemos se tem desdobrado por múltiplos cenários musicais e geográficos, sobretudo desde que os Blur permanecem como uma espécie de zombies (mortos-vivos, literalmente) numa intermitência de avanços e recuos, para os quais já ninguém tem paciência. Mas para este recente disco do génio criativo da saudosa banda inglesa, tenho paciência, e muita. Talvez não me engane muito se afirmar que posso encontrar aqui um disco para engrossar o meu top de coisas boas do ano que ainda nem a meio chegou.
Há muito que digo que Think Tank é o melhor disco dos Blur, e isso sempre deixou com os cabelos no ar muitos dos meus amigos para quem a música é fator de vigorosa e acesa discussão. Esgrimidos os argumentos de ambas as partes, cada um de nós permanece convencido das suas ideias, e é fazendo uso delas que (re)entro em Everyday Robots. Mais que não seja, pelo facto de este disco ter com o último dos Blur alguns pontos de contacto. Sobretudo na aposta mais tranquila de alguns horizontes sonoros. Há algo de “Out Of Time”, de “Good Song” e de “Sweet Song” (todas de Think Tank) em “Hostiles”, em “Lonely Press Play”, ou em “The Selfish Giant”, por exemplo. Assim como há, e esse é um dos trunfos maiores deste mais recente trabalho de Albarn, muito mais maturidade composicional. Não se dispara sem alvo objetivo, nem se perde tempo com floreados impressionistas, e por isso tantas vezes vazios de substância. É mais íntimo (as letras autobiográficas são exemplo perfeito do que afirmo), e mais intimista do que todos os discos em que Damon Albarn participou até hoje. E eu, que acho que é sempre possível enquadrar os discos nos tempos em que vão saindo para consumo público, digo-vos que Everyday Robots não é um trabalho primaveril, e muito menos um conjunto de canções para o verão. Antes pelo contrário. Convida a ter por perto uma mantinha de lã que aconchegue a névoa e o frio lá de fora, pede um english breakfast bem forte e fumegante entre as mãos. Por isso tenho para mim que este novo disco de Damon Albarn ganhará ainda mais corpo quando chegar o outono, que para já quero bem distante. A estação do ano, não o disco, entenda-se. Everyday Robots é um disco em contra corrente, e é fácil perceber que possa defraudar as expectativas de quem desejaria um álbum de luminosidade pop, centrado num tempo e num percurso que já foi trilhado há muito, e que por essa mesma razão já não deverá fazer grande sentido para Albarn.
Everyday Robots parece ser um disco construído no sentido de revelar alguma da paz interior recentemente adquirida por Albarn. Depois de tantas crises, de tantas peripécias, angústias existênciais, batalhas histéricas de repercussão mundial, Damon Albarn encontrou (mais) um percurso alternativo aos anteriores. Está menos exuberante, é certo. Mas, e simultaneamente, mais capaz de nos mostrar a chama frágil e subtil dos grandes génios, que à curta distância de um vento mais forte ou de um sopro mais destemido, pode extinguir-se por tempo indeterminado. Veremos, num futuro mais ou menos próximo, o que fará Damon Albarn. Ou, se quisermos, o que fará de nós, até porque, na verdade, nos tem sempre nas suas mãos…