Caíram como uma bomba, e durante algum tempo foram considerados a next big thing do rock alternativo britânico. Traziam malandragem e excentricidade para dar e vender. Misturavam rock psicadélico à americana com western spaghetti, tons de dub com pitadas de reggae e de ska. Tudo isto numa linguagem singularmente própria, que muito prometia. Os singles “Goodbye”, “Skeleton Key”, “Shadows Fall” e “Dreaming of You” fizeram de The Coral um dos grandes discos de 2002, mas as canções mencionadas não diziam tudo sobre o primeiro longa duração da banda dos irmãos Skelly. Ouvir o álbum na sua totalidade era garantia de outros enormes momentos, desde logo através da pujante “Spanish Main”, que abre o disco maravilhosamente, até pela simplicidade dos versos cantados, como se estivessem prontos a assaltar tudo e todos (entenda-se múltiplos artistas, estilos e estéticas). Os The Coral fizeram as minhas delícias no verão desse ano, e a pulsação do disco vibra em mim até hoje. O som algo retrô dava-lhe o requintado toque final.
Percebia-se que era um disco de putos, mas também era fácil perceber que sabiam do negócio e que tinham quilómetros e quilómetros de música ouvida e digerida nos ouvidos. O som fresco, mas sujo e agressivo ao mesmo tempo, fez de The Coral um marco na carreira da banda bastante difícil de ultrapassar. E surgiu logo no início da caminhada, apenas precedido de dois ou três eps que serviram para apurar um pouco as formas e os conceitos que queriam transmitir. Alguma da loucura vibrante de “Skeleton Key”, por exemplo, nunca mais foi atingida nos trabalhos posteriores. O gozo das guitarras em desassossego, as batidas desenfreadas e uma certa ousadia revivalista fizeram da banda de Hoylake um fenómeno de culto. Estridente e de personalidade bem vincada, The Coral (o disco) mostrava um grupo de seis músicos encantados com o que faziam. Quase histéricos, até. James Skelly e o seu irmão Ian, Lee Southall, Bill Ryder-Jones, Paul Duffy e Nick Power partiam a louça toda em 11 canções e em mais uma hidden track. Para além das referidas composições, o disco mostrava ainda “Simon Diamond”, “Waiting For The Heartaches”, “Wildfire”, “Badman”, “Calendars and Clocks” e “Time Travel” (a tal faixa escondida). Na verdade, aquilo que mais fascinava nesse disco era a mistura nele contida. The Coral evidenciava um mixed bag de influências à partida pouco prováveis. Madness, Inspiral Carpets, The Beatles, Captain Beefheart e The La’s, por exemplo, juntavam-se aos sons de mariachi, canções piratas (“Spanish Main” é isso mesmo, uma canção à moda dos piratas sonoros que eles próprios eram nessa altura), blues e até alguns brilhos de jazz. Claro que devemos também dizer que o que sobrava em estridência, fantasia e aparato rockeiro, em exuberância sónica e rítmica, faltava em qualidade lírica. Na verdade, as letras da maioria das canções revelavam uma enorme simplicidade, por vezes roçando o puerilismo mais embaraçador. Tome-se a canção “Simon Diamond” como exemplo, e percebe-se que a ideia gira em torno de um homem que se transforma numa árvore (!). Ou estes versos de “Badman”: “Bad, bad man / You’re a bad, bad man / You gotta do what you can / When you’re a bad man”. Mais simples e primário parece impossível. Mas The Coral é um disco de rock’n roll, e o que mais interessa é o caminho desenfreado que as canções percorrem, as mudanças constantes de ritmo dentro de algumas das canções do álbum, revelando autênticos golpes de rins melódicos e rítmicos. The Coral é uma festa imensa e intensa! Uma algazarra frenética e cerebral, um desassossego para o esqueleto humano. Foi isso que festejei quando saiu o disco, e nos trabalhos seguintes da banda estranhei a ausência desse arrebatamento roqueiro. Por essa razão, por estar The Coral tão distante dos passos futuros que os The Coral iriam dar, preferi escrever este texto num tom passadista, pois para ser sincero, e apesar do excelente passo seguinte que foi Magic and Medicine (mais contido, mas de enorme qualidade), nunca mais a banda se mostrou à altura do disco inicial.