Um disco de Bruce Springsteen nunca é só mais um disco. Não porque o Boss há muito que se tornou numa das figuras de topo da música norte-americana, porque os estádios enchem por todo o Mundo sem que tenha de recorrer a bailarinas nuas ou porque ao fim de mais de trinta anos de carreira continua a cantar a história de uma América que muitos teimam em tentar esquecer. É verdade, High Hopes é o 18º disco de originais de Bruce Springsteen, mas está muito longe de ser só mais um disco do músico que Jon Stewart, fã psicótico e apresentador do Daily Show nas horas vagas, descreveu como o “o filho ilegítimo do Bob Dylan e do James Brown”. Porquê? No limite, porque tem a guitarra de Tom Morello. No limite, porque The Ghost of Tom Joad tem finalmente a sua melhor versão gravada em disco.
Um disco de Bruce Springsteen tem de ser ouvido. E ouvido. Porque por lá encontram-se sempre histórias que só ele canta, porque a voz ainda não parou de ganhar personalidade e porque sabemos sempre com o que contamos – música com alma, garra e conteúdo. Por ali, não há bolas de espelho, música para dançar ao ritmo saudosista dos tenebrosos anos oitenta ou truques a apelar à mais recente moda – alguém imagina o Boss com óculos de massa? Por ali, na discografia em que 11 dos 18 chegaram a número 1 do top da Billboard, o assunto sempre foi a música e High Hopes não desilude. Está muito longe de ser só mais um disco no top da Billboard.
Foi há mais de 40 anos que Springsteen nos cumprimentou a partir de Asbury Park, e há mais de trinta que nos conquistou com The River e Nebraska – provavelmente os seus dois maiores contributos para a Humanidade ou, pelo menos, para a minha adição a música para crescidos. Não me lembro da primeira vez que ouvi o Boss, mas sei perfeitamente qual o primeiro vinil a que deitei as mãos: Born in the USA, o disco de “Born in the USA”, “Glory Days” ou “Dancing in the Dark”. Agora, voltou a subir de nível. Chamou Tom Morello, provavelmente o melhor guitarrista do Mundo, o senhor do segredo por trás dos Rage Against the Machine, o dono da guitarra que sustentou os Audioslave, a mesma que ensombra os seus devaneios acústicos.
Dizem que Springsteen descobriu os Rage Against the Machine através do cunhado, fã que o avisou para uma nova versão da sua, então obscura, melhor canção de protesto. Diz a lenda que o desafio para subirem juntos ao palco só chegou décadas depois. Assegura a história, e o Youtube, que a estreia foi memorável – a histeria do público forçou a paragem do concerto na Califórnia. Nunca mais se separaram. Morello juntou-se à digressão de Wrecking Ball e agora aparece em seis das doze músicas de High Hopes, naturalmente gravadas entre concertos, viagens pela Austrália e os vários estúdios espalhados (ou improvisados) entre Sidney e Londres. O resultado é memorável.
High Hopes está longe de ser só mais um disco de Springsteen. Se o fosse seria só um dos melhores discos do ano. Mas é mais que isso. É a promessa de um dueto com ainda muito para dar e de que ninguém, pelo menos nenhum fã de música crescida, se irá esquecer.