Às vezes, queremos pôr o casaco de cabedal. Mas, muitas vezes, não está à mão ou não temos. Os Clipse entregam-vos uns sem problema, é só pôr os fones.
Muitos artistas de hoje em dia – daqueles que vocês ouvem na Antena 3 – têm o hábito de trazer questões interessantes e muito complexas referentes à obscuridade da natureza humana e coiso. Boa iniciativa, sim senhor. Nada mau. Mas os Clipse não estão muito interessados nisso. Preferem as respostas. Sem mas nem meio mas, nem tempo para refletir se as coisas estão certas ou erradas. Para eles estão, ponto final. O resto que se amanhe.
Quem é o resto? Os outros rappers. E quem são os Clipse? O quê? Mas ainda não expliquei? Desculpem. São outros dois rappers. Irmãos de South Beach, Virgínia, começaram a carreira nos anos 90, mas só nos anos 2000, depois de descobertos por Pharrell Williams – sim, o tipo dos minions e do “because I’m happy” -, é que ficaram realmente conhecidos. Gozaram de uma agradável carreira musical até 2010, ano em que se iniciou um longo hiato do duo, e que acaba, precisamente, este ano.
Agora que já estão apresentados os senhores, onde é que eu ia…? Ah! Quem é o resto? Os outros rappers. No mundo do rap, e até talvez no negócio do rap, é mais vantajoso ter inimigos do que amigos. Repare-se: insultar é uma espécie de desporto aqui. Se temos muitos amigos, restam-nos poucas pessoas para insultar. Só se fizerem rap sobre a amizade, mas ouvi dizer que há pouca procura. Poucas pessoas para insultar são poucas músicas (de preferência bangers) produzidas e poucas cabeças que se abanam no carro. Não pode ser. Por isso, têm de se fomentar as animosidades antes das amizades. Há que, mesmo que não se conheça, insultar. Criar inimigos de morte assim como quem não quer a coisa.
Tomem Let God Sort Em Out como exemplo, um colossal sucesso de receitas. E não podia ser menos do que isso, claro, é a teoria aplicada na perfeição. Insultos, confere. Quase todas as músicas aludem a nomes de outros rappers de modo pejorativo – e eles agradecem, que é bom para o negócio, agora têm de responder e assim é mais uma música para o catálogo. Marcas de roupa caras e de carros desportivos, confere. A necessidade do chamado “flex” – ou, uma forma de dizer: “Olhem para o meu dinheiro, não é tão giro?” E beats pungentes, confere. Pharrell não é só o tipo que está feliz, também consegue ser mauzinho e beber leite do pacote (muhahaha). Isso e produzir beats que só por si parecem querer insultar alguém – tem olho para o negócio… O resto é mérito de Malice e Pusha-T – também me esqueci de dizer os nomes deles, desculpem lá –, que brincam com as palavras e formas sintáticas como autênticos poetas modernistas: “You was Fu-Gee-La-La, I was Alibaba”. Os beats ajudam.
Bom, se gostam de música indie em 2025 é bem provável que estejam em depressão profunda – por causa daquela coisa das questões da natureza humana e tal, já falei disso há bocado. Isto para dizer que tenho a solução, por isso larguem lá os “Friends” e esse balde de gelado de marca branca, que sabe-se lá o que isso tem aí dentro. É muito simples: põem este álbum dos Clipse no vosso carro aos altos berros, até ouvirem as vossas colunas estalar, e depois vão fazer uns quantos peões ao Marquês de Pombal. Prometo que se vão sentir logo outros.