O ponto intermédio da maratona de 2018 de Kanye West, Kids See Ghosts vê o rapper, ao lado de Kid Cudi, a lançar o seu melhor disco em anos.
No início de 2018 Kanye West anunciou ao mundo o seu ambicioso plano de produzir cinco discos de sete músicas cada, cada um a ser lançado em semanas consecutivas algures no verão. Refugiado num estúdio em Jackson Hole, num período agora referido como Wyoming Sessions, West cozinhou o divertido Daytona de Pusha T, o seu medíocre e mal passado ye, o morno NASIR, do veterano Nas, o sedutor K.T.S.E., da regressada Teyana Taylor e, no topo desse monte Fuji discográfico, Kids See Ghosts, em colaboração com Kid Cudi.
Com uns parcos vinte e três minutos, West e Cudi não se poderiam dar ao luxo de perder tempo com os excessos vazios que minaram os últimos dois discos de ambos e, nesse aspeto, Kids See Ghosts é a obra mais consistente que os rappers lançaram em anos. Que Kanye West segue a sua musa independentemente dos lugares estranhos e pouco práticos para onde esta o leva já todos sabemos. Mas desde My Beautiful Dark Twisted Fantasy de 2010 que não o víamos tão focado na sua experimentação. “Feel The Love” é uma canção de abertura monstruosa, com um refrão que engana na sua simplicidade com Kid Cudi a berrar por cima de uma guitarra fumarenta acompanhada por um beat vindo de uma qualquer selva industrial.
A produção do disco é engenhosa na medida em que as nuances de cada música que, à primeira vista parece extremamente simples e minimalista, se vão revelando a cada escuta como o instrumento de sopro (algures entre uma flauta e um oboé) que precede o excelente verso de Cudi em “Fire”, uma canção alicerçada por um sample de voz e guitarra orelhudo que se enterra no subconsciente para depois emergir aleatoriamente quando menos esperarmos. Falando de samples, é impossível não mencionar a qualidade fantasmagórica daquele que começa “4th Dimension” uma canção que não podia ter sido produzida por outra pessoa que não West, com os seus loops refratados e um baixo potente o suficiente para esmagar o próprio monte Fuji. Uma cascata de risos de crianças processados interrompe a groove, dando lugar ao verso de Kid Cudi.
“Freeee (Ghost Town Pt. 2)”, com o seu refrão ambíguo (é suposto ser humorístico ou é só Kanye a ser Kanye?) podia facilmente descarrilar, não fossem as harmonias magníficas que jorram a meio da música que conta com a presença de Ty Dolla $ign que contribui para a atmosfera festiva da música. O ritmo relaxa em “Reborn” que contém um refrão memorável com um uso bastante subtil de auto-tune numa altura em que este artifício voltou a ser sinónimo de mau gosto. No meio desta tapeçaria sonora a faixa-título emerge e, com ela, Kanye West cospe o seu verso mais bem executado em todo o disco enquanto Cudi e Mos Def (sob o nome Yasiin Bey) se encarregam do refrão.
O minimalismo característico do disco atinge a sua conclusão lógica em “Cudi Montage”. Uma guitarra acústica, um beat esqueletal e a voz de couro de Kid Cudi formam a base desta canção, que é elevada com outro verso impressionante de West, todos estes fatores contribuindo para que esta seja uma das melhores músicas de um disco que já obteve, e merecidamente, o estatuto de clássico.