Os Clã regressam com um disco muito bem feito, como habitualmente, mas ao qual faltam irreverência e os hinos pop de outrora. Véspera mostra, ainda assim, a mestria e o bom gosto do conjunto, num trabalho para ser apreciado mais com a cabeça do que com a cintura ou o coração.
Os Clã são uma das bandas mais interessantes e seguras surgidas no panorama português deste século. Longe vai o funk original ou os hinos pop de puxar por um palco ou por uma pista de dança, mas o seu registo nunca foi abaixo de bom. Agora, os portuenses regressam com o seu oitavo disco de originais, intitulado Véspera.
Segundo entrevistas recentes, o nome do trabalho pretende capturar a essência que define um momento de mudança, um novo começo. Não pela acção em si, mas pelo momento anterior, em que a tensão chega a um ponto que obriga à sua libertação. Essa tensão, esse controlo férreo de algo que ameaça descontrolar-se, é sensível em vários temas de Véspera.
Tal como a banda de Hélder Gonçalves e Manuela Azevedo já nos habitou, este é um trabalho colaborativo, nomeadamente ao nível das letras, que desta feita são assinadas por ilustres como Regina Guimarães, Carlos Tê, Samuel Úria ou Capicua, para além do brasileiro Arnaldo Antunes, que também faz uma perninha na voz.

Os Clã são, como sempre foram, uma banda de irrepreensível bom gosto, e isso confirma-se mais uma vez, sem surpresa. Tudo bem escrito, bem tocado, com letras trabalhadas e com significado. Mas são também uma banda que se apresenta mais cerebral, mais calculada ou calculista, como se todas as notas e momentos tivessem sido planeados ao pormenor durante os últimos anos que este disco levou a completar (com uma mudança de dois dos membros do grupo, pelo meio).
Há vários bons momentos: a tensão de “Sinais”, com o seu refrão clássico de Clã; o disco-funk de “Armário”; a leveza musical da veraneante “Jogos Florais”; a lindíssima pérola “Tudo no Amor”, que é vintage Clã. Mas há também vários episódios mais conceptuais, em que o grupo demonstra o domínio de vários estilos mas cujo resultado não é particularmente marcante.
Às vezes, parece que os Clã estão demasiado contentes com a sua competência e o seu conhecimento, apostando em exercícios (nada gratuitos, atenção) muito bem feitos mas sem verdadeira alma que nos chegue e nos toque. Saímos de audições repetidas deste Véspera com uma opinião ambivalente. Sendo um disco inegavelmente bem feito e com classe, sentimos a falta de mais garra, mais alma e eventualmente menos calculismo. Os Clã sempre foram melhores quando viviam soltos e nos davam refrões e hinos – de amor ou não – maiores do que a vida. Agora, a qualidade continua toda lá, mas Véspera é um disco para apreciar mais com a cabeça do que com a cintura (para lembrar o título de um dos seus discos).