Em Reward, a solidão deixa de ser um bicho feio: Cate Le Bon transforma-a numa glorificação da independência e da mudança, num álbum coeso onde funde gentilmente a nostalgia de um passado feliz e a reconstrução de um novo presente.
À primeira audição, Reward é uma boa companhia. Daquelas que nos fica na cabeça e sobre quem queremos saber mais, ouvir tudo o que tenha para dizer. E a cada escuta, um novo sentimento, um novo pensamento, mas sempre em espaço seguro. Traz-nos boas recordações e uma voz familiar, mas com um companheiro diferente. A guitarra foi ousadamente trocada por um piano, em tentativas e erros de janelas fechadas para o mundo e tantas acertadas vitórias em terreno desconhecido. Em entrevistas, Cate Le Bon refere que a sua relação com o disco chegou a ser tempestuosa e que até agora não sabe bem definir o que sente quanto a ele. A maior parte das músicas existiram durante um longo período de tempo e foram estruturadas através de um moroso e orquestrado processo, no qual a sua nova arte teve um importante papel: com o ano passado na escola de carpintaria em Lake City, aprendeu a manobrar a arte da paciência – e a aplicá-la no método de construção da sua música.
Depois de uma tour terminada em Miami – que é também a cidade que dá nome à primeira faixa do álbum – a cantora original do País de Gales isolou-se do frenesim da cidade a meio caminho das montanhas de Lake City, em Inglaterra, e voltou à escola e aos ares do campo. De Miami veio a mudança, o refazer do processo, o regresso à rotina – e o ponto de partida para o disco Reward: “Decorate your own discord, Miami / Never be the same again, no way / Falling skies that people uphold, move with me / Love neglected by reward, okay”.
E que recompensa é esta? Poderá ser o que tiramos das coisas, independentemente do bom ou mau que possa ter acontecido para ali chegarmos. E, neste momento, neste artigo, seria o disco e o conteúdo que consumimos por pensar e escutar de peito cheio, estimulados pela força catalisadora da mudança. Para Cate Le Bon, o significado deste título representa a ambivalência da palavra: se por um lado significa a perda de significado da linguagem com a manipulação do discurso ou a própria banalização da palavra como engenho de publicidade, é também a antítese de ser potencialmente algo positivo, mas num relacionamento comummente condicionado pela atribuição dada ou validada pelo outro. E assim, de paradoxos se monta o sentimento de alegria distópica acomodado pela sensação de constante apaziguamento na voz e nas harmonias de Reward.
Foi depois de ter colaborado no novo álbum de Deerhunter, que Le Bon se aventurou no seu retiro musical, escolar e introspectivo, mas manteve também o espírito de comunidade, requisitando a companhia de vários artistas, que foram adicionados ao álbum um por um: Stella Mozgawa das Warpaint (na bateria e percussão), os conterrâneos Stephen Black dos Black Baboo (no baixo e saxofone), Huw Evans (guitarras) que é também, a título de curiosidade, seu ex-namorado, e Josh Klinghoffer dos Red Hot Chilli Peppers (também nas guitarras). Muitas das colaborações são também caras conhecidas de outros discos, algo que lhe permitiu manobrar a sua sonoridade sem perder na sua música, familiar identidade que nos deu a conhecer.
Dos terrenos incertos e aconchegantes de “Miami” partimos para um tempo-espaço onde o agora renovado é embelezado pelo amor e pela solidão, que coexistem na mesma luz do dia. “Daylight Matters” transmite uma alegria dúbia mas reconfortante que se transfere automaticamente para “Home To You”, e que continua a ecoar sentimentos de nostalgia da infância. São as camadas e camadas de instrumentos cuidadosamente seleccionados e pormenores personalizados que compõem maravilhosamente esta peça tão única como as cadeiras e outras peças de mobília que construiu com as suas próprias mãos. Só que da mesma forma que qualquer arte é subjectiva, esta fala por si própria.
Fala sobre um ano de isolamento do passo acelerado da vida, sobre a glorificação de se estar sozinho e sobre recordar o que é o amor. E “Here It Comes Again” é a sua perfeita representação: uma imersão intensa numa bolha de doçura e melancolia. “Mother’s Mother’s Magazines”, por sua vez, insiste no não conformismo, inspirada pela sua mãe, que recentemente começou a fazer parte de marchas pelos direitos das mulheres, nunca resignada, nunca calada. E como filho de peixinho, peixinho é, Le Bon não tem medo de desabafar e pensar a vida, o amor e a dor. E é nesse espaço seguro nasce Reward, o abraço entre a solidão e a solitude.