
Na noite de 18 de Novembro de 1975 Londres recebeu pela primeira vez Bruce Springsteen & The E Street Band. Durante semanas a capital inglesa tinha visto posters espalhados pelas paredes em que se podia ler: “Finally London is ready for Bruce Springsteen & The E Street Band”. Segundo reza a lenda, quando pousou as botas em Londres, o músico de New Jersey (que sempre teve a fama de ser um tipo modesto e porreiro) teve um ataque de raiva e começou a arrancar os posters das paredes, envergonhado pelo golpe publicitário da sua empresa. E é por atitudes como esta que Bruce Springsteen será para sempre o ‘Boss’, embora o próprio não goste da alcunha. Springsteen é um dos poetas mais dotados do Rock ‘n Roll, é dono de uma voz poderosa e inconfundível, compositor de grandes canções e ainda o carismático líder da “heart-stopping, pants-dropping, hard-rocking, booty-shaking, love-making, earth-quaking, viagra-taking, justifying, death-defying, legendary E Street Band”, o Boss é ainda um tipo sempre com um sorriso na cara e umas palavras simpáticas prontas a trocar com o público.
E foi isso que Bruce fez no concerto de Londres. Um concerto de duas horas onde o miúdo de Jersey conquistou a capital inglesa pela capacidade musical da sua banda e pela sua abertura e dedicação ao público. Características que nunca abandonaram Bruce nestes 43 gloriosos anos de vida de estrada.
Para abrir o concerto Springsteen optou pela sua obra-prima, a poderosíssima “Thunder Road”, interpretada numa versão despida, como que para mostrar a sua humildade perante o público a princípio céptico. O piano introduz as primeiras notas e depois entra o pequeno solo de harmónica. A porta bate, o vestido de Mary esvoaça e ela passeia-se como uma miragem pelo alpendre ao som de “Only the Lonely” de Roy Orbison. O narrador pede a Mary que tenha um bocado de fé na magia da noite – a melhor parceira dos casais apaixonados, como tantas vezes demonstrou Shakespeare. E, como prova de confiança dentro da relação, o apaixonado não resiste a um pouco de humor: “You ain’t a beauty but hey you’re allright/ Oh and that’s alright with me”.
O jovem está disposto a partir, mas não quer abandonar a sua paixão e apresenta a Mary as suas opções: “Podes fechar-te, a esperar e rezar por um salvador ou então podes vir comigo. Não tenho muito para te oferecer, não sou perfeito nem nada que se pareça, mas dou-te uma oportunidade de viveres uma aventura única. Baixamos as janelas do carro e deixamos que o vento nos acaricie o cabelo enquanto conduzimos estrada fora. Desde que nos tenhamos um ao outro e este carro, podemos ir para qualquer lado, o mundo é nosso.” E é no verso seguinte que Bruce mostra a sua visão sobre o que deve ser o amor: “We got one last chance to make it real/ To trade in these wings on some wheels” – as asas dos anjos representam um amor perfeito e beato, enquanto as rodas são o símbolo de um amor aventureiro, carnal e até sujo; sem esoterismo de qualquer espécie. E quão preferível não é uma vida de aventura pela estrada fora (ou será pela vida fora)?
“Oh Thunder Road, oh Thunder Road, Thunder Road…”
O namorado continua a desafiar a jovem: “Vem ter ao meu carro, se estiveres disposta a tomar essa decisão de deixares tudo para trás. É essa a única condição que te imponho para poderes vir comigo.”
O narrador promete que a partir do momento em que Mary tomar a decisão de o acompanhar os dois vão tornar-se livres para sempre, sem contractos sociais que os obriguem a fazer o que quer que seja: “Tonight we’ll be free/ All the promises will be broken”.
E por fim, o grito do Ipiranga de Bruce, o desejo de querer abandonar a vida sem futuro de Jersey, o desejo de largar tudo e tornar-se alguém, deixar para trás toda a sua vida, tudo e todos, menos a sua Mary:
So Mary climb in
It’s a town full of losers
And I’m pulling out of here to win